Por: | 08/02/2025
DE OLHO NA ESTANTE
Hildeberto Barbosa Filho
Viajando com Shakespeare
A viagem é uma das tópicas literárias mais antigas. No tempo ou no espaço, imaginárias ou reais, físicas ou metafísicas, as viagens integram o tecido dos textos poéticos, históricos, científicos e ficcionais.
“O
êxodo”, no composto da Bíblia; a Odisséia, no mundo grego, constituem modelos seculares. Lembro, também, já em outra clave, as Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift; Viagem à roda do meu quarto, de Xavier de Maistre; as Viagens na minha terra, de Almeida Garret; A volta ao mundo em 80 dias e Viagem ao centro da terra, de Júlio Verne.
Embora de viés ensaístico, decerto mais informativo que exegético, vou inserir, nesta vertente, o livro dos advogados e escritores paraibanos,Thelio Farias e Ricardo Souto, intitulado Uma nova viagem ao mundo mágico e literário de Shakespeare (São Paulo: Break Media Brasil, 2024).
Parece-me arbitrária esta inserção, porém, o termo “viagem”, com seu leque de possibilidades significativas, dá-me alguma garantia.
Trata-se de mais uma biografia (ou tentativa de) do dramaturgo e poeta inglês, de intenções propedêuticas e pedagógicas. Tarefa ousada e ambiciosa. Diria mesmo surpreendente!
São 39 capítulos, num total de 450 páginas, que trazem, ‘a tona, dados da origem do autor, do contexto social da Inglaterra dos séculos XVI e XVII, do universo do teatro, das instituições culturais, influências, obras, temas, personagens, estilo, linguagem e outros fatores que se relacionam com a trajetória artística do genial poeta, considerado por Jorge Luís Borges, o menos inglês dos ingleses.
Como obra panorâmica, possui suas virtudes e seus defeitos, seus altos e baixos, seus acertos e suas lacunas. Vou tentar comentá-los na brevidade deste texto.
As virtudes correm por conta do espírito didático, informativo, descritivo, peculiar às cartilhas e aos roteiros introdutórios que possam servir ao leitor no confronto com a complexidade de certas expressões estéticas, como me parece ser o caso especial de um Shakespeare. Em certo sentido, o livro pode ser lido como um guia de leitura.
Os defeitos, a seu turno, decorrem das inevitáveis generalizações, das repetições de certos clichês, do tom apologético, da quase nenhuma investigação analítica por dentro das malhas ambíguas das peças apresentadas, sobretudo, as grandes tragédias, a exemplo de Hamlet, Otelo, Macbeth e Rei Lear.
Se lá, no âmbito das virtudes, agrada-me a lógica sistemática das informações, desagrada-me, aqui, no terreno dos defeitos, a ausência de uma mais robusta interpretação do texto literário, assim como a lacuna imperdoável de um olhar mais crítico. Uma atitude heurística mais aprofundada e em efetiva consonância com os vocativos temáticos da obra shakespeariana.
Aprecio muito, por outro lado, os sinais de leitura que os autores, valendo-se de sua formação jurídica, propõem no que concerne às férteis conexões entre literatura e direito. Talvez esteja aqui, na viabilidade dos cruzamentos semânticos, envolvendo a arte da palavra com o fato, a norma e o valor jurídicos, o melhor desta obra. Não custa ler, conferir e, por que não, julgar.