REMEMORANDO
A GERAÇÃO 59
Clemente Rosas
Éramos 14:
Celso Almir Japiassu Lins Falcão, Clemente Rosas Ribeiro, Geraldo Medeiros,
João Ramiro Fariasde Mello, Jomar Morais Souto, José Bezerra Cavalcante, José
Cabral, Jurandy Moura, Liana de Barros Mesquita, Luiz Correia, Ronaldo José da
Cunha Lima, Tarcísio Meira César, Vanildo Ribeiro de Lyra Brito e Marcos
Aprígio de Sá. E a Secretaria de Educação e Cultura aceitou publicar um
livrinho de cem páginas com alguns de nossos poemas. Uma edição bisonha, feita
por aprendizes de gráficos, com apresentação de um dos nossos, Vanildo Brito,
ideólogo do grupo. Deveria sair em 1958,
quando a maioria de nós completava dezoito anos, mas houve atraso de um ano. E
houve depois uma reedição comemorativa, no seu cinquentenário, pela Editora
Linha d’Água, com um texto de Flávio Tavares, Subsecretário de Cultura do Estado
da Paraíba, na contracapa, e outro meu, nas orelhas, em nome do editor. A capa
foi do nosso velho amigo e companheiro Raul Córdula.
Desse grupo,
alguns perseveraram na poesia, como Celso Japiassu, Jomar Souto, Jurandy Moura,
Luiz Correia, Vanildo. Outros derivaram para o cinema, como João Ramiro. Outros
ainda foram engolfados pela política ou desapareceram prematuramente. Eu mesmo,
por não me sentir à altura de tantos amigos poetas, logo desertei desse campo, e
me tenho dedicado, já em vários livros, à crônica, às memórias políticas, ao
ensaio. E afinal, só restamos quatro: Celso, Jomar, José Bezerra e eu. Sendo
ainda que Jomar, talvez a mais lídima expressão poética de todos nós, autor do
“Itinerário Lírico da Cidade de João Pessoa”, reeditado várias vezes pela
Prefeitura da cidade, anda recluso e retraído. Assim também José Bezerra, meu
amigo próximo, que, após enriquecer como financista em São Paulo, e ainda
publicar dois livros temporões de poesia, convive com sérios problemas de visão,
e se recolhe. Espero não magoá-los ao dizer que só eu e Celso permanecemos em
campo. Celso, publicitário de renome, tem editados oito livros de poesia, o
último em Portugal, onde hoje reside, e colabora com “site” de análise política
dos países da Europa.
Cabe ainda
destacar que, em torno de nós, circulavam expressivos valores no campo das
artes, como Vladimir Carvalho, cineasta, Elpídio Navarro e Hugo Caldas, teatrólogos
e atores, Ivan Freitas, Archidy Picado e Raul Córdula, pintores, Orley
Mesquita, obstinado poeta. Destes,
infelizmente, só meu querido amigo Raul continua entre nós, e me tem brindado
com as luminosas capas dos meus últimos livros.
E não é que
nós, os remanescentes, 66 anos depois, somos surpreendidos com juízos
depreciativos do nosso movimento, que já mereceu análises criteriosas e isentas
de intelectuais como Hildeberto Barbosa Filho (“O Caos e a Neblina – Vanildo
Brito e a Geração 59”) e outros? E tais
invectivas podem nos soar até injuriosas, não fossem, antes de tudo, primárias,
desfocadas, frutos de má informação. Vejamos algumas.
Ronaldo
Cunha Lima, citado como nosso “cavalo de batalha”, morava em Campina Grande, e
nunca conviveu conosco. Quando o livro já estava em preparação, apresentou-se a
José Bezerra Cavalcante e Vanildo Brito, e pediu incorporação ao grupo. Era um
bom versejador e improvisador, e tinha méritos nesse campo, mas fez apenas
breve experiência com o que se chamava poesia moderna. Portanto, era cavalo de
batalha de quem?
Vanildo Brito
não quis, como dito em outra observação maldosa, “ressuscitar o parnasianismo
falecido 100 anos atrás”. Seus sonetos, embora metrificados, não eram rimados,
e estavam ao lado de muitos versos soltos, com temas irreverentes. Além disso,
após a rejeição da rima e do metro pelos iconoclastas pós 1922 – Drummond,
Bandeira e Schmidt – e a fase do “poema-piada”, já houvera um retorno às
antigas formas, com a Geração de 45 e poetas como Vinícius de Moraes, João
Cabral de Melo Neto e Carlos Pena Filho, todos do melhor nível. Quem faz
comparação dessas formas revalorizadas com Olavo Bilac e Raimundo Correia não
sabe o que foi o parnasianismo.
Por fim,
nada mais impróprio para nós do que o epíteto de “burguesinhos”. Uma das nossas
atitudes era justamente contestar e ridicularizar os padrões burgueses de
comportamento. Saíamos à noite, em “rondas líricas”, que podiam terminar diante
do busto de Augusto dos Anjos, na Lagoa, com declamação de poemas, ou numa mesa
de cabaré, tendo como companheiro um crâneo humano, cedido pelo nosso “assessor
psiquiátrico” Vamberto Miranda, estudante de medicina. Isso quando não abriam
espaço para as ruidosas e coreográficas “neuras” de Vanildo, às vezes seguidas
por Archidy e até por Ivan Freitas, em sua fase de pintor surrealista. Uma vez, contou-me Vanildo, Ivan perturbou
uma inocente festinha em casa de classe média, aos brados: “Não adianta,
burguesia! Todo mundo vai morrer!”. Burguesinhos, nós? Existencialistas, talvez, sem ideologia
definida, e com uma difusa rebeldia em relação às convenções sociais.
Nosso
detrator louva-se em Virgínius da Gama e Melo para respaldar suas aleivosias.
Acontece que Virgínius, por razões pessoais e psicológicas, não tinha simpatia
pelo nosso movimento. Eu o critiquei em dois artigos: “Subjetivismo e História”
(Correio das Artes, 9/7/1978) e “Ainda Virgínius e sua Influência” (Correio das
Artes, 12/11/1978). Éramos muito independentes para aceitá-lo como mentor, como
fizeram alguns colegas mais jovens, seduzidos por sua verve de “causeur” nas
noitadas da saudosa Churrascaria Bambu. E ele nos menosprezava, recorrendo até
ao achincalhe.
A ideia de
uma “Geração 60”, por exemplo, foi mal pensada desde o nascedouro. Costuma-se falar em gerações para
acontecimentos e pessoas afastadas vinte anos, ou mais: Geração de 22, Geração
de 45, em Recife uma Geração de 75, aqui na Paraíba a turma da Revista Era Nova, nos
anos 20, envolvendo Perilo d’Oliveira, Américo Falcão, Aderbal Piragibe, Alírio
Wanderley... e nós, em 59. Virgínius
acolheu a infeliz ideia apenas para nos espicaçar, e pôs-se a entoar louvores a
seu suposto intérprete por pura eutrapelia, pois pouco ou nada havia a
apresentar por ele, como obra, ao menos naquele momento.
Em outra
ocasião, Virgínius desceu ao deboche, ao tentar ridicularizar a aliteração de um
verso de Jomar (“Tu te morres, me morro, e não morremos...”), afirmando
ser propaganda subliminar da campanha política de Jânio Quadros, cuja filha
tinha o apelido de “Tutu”. E vários de nós polemizamos com ele, como também
fizemos com Otacílio Cartaxo, este um crítico mais primário e “démodé”.
Tempos
depois, Virgínius “amansou”, e disse a Vanildo que algum dia lhe seríamos
gratos por, pelos debates provocados, ter dado publicidade ao nosso movimento. De
minha parte, tenho dúvidas sobre tal vaticínio.
Quanto a
Políbio Alves - que só vim a conhecer ligeiramente, na casa de Jurandy Moura,
por volta de 1977 - dado como testemunha das primícias do surgimento da tal
Geração 60, prefiro situá-lo como integrante do Grupo Sanhauá, que se formou
logo depois, e acolheu valores como Hildeberto Barbosa, Sérgio de Castro Pinto,
João Batista de Brito e outros. E imagino que ele também prefere. Recentemente,
deu-me dois livros para ler e comentar, o que fiz com respeito, critério e
absoluta sinceridade.
E assim
chego ao final desta rememoração, cuja oportunidade me surgiu pelo bate-bola
intelectual em minha província. Como afirmou um político controvertido - neste
caso, acertadamente - o tempo é o senhor da razão. Ele demonstrará o que
prevalece, como narrativa ligada aos fatos.
Aliás, penso que já está demonstrando.
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