Hildeberto Barbosa
Hildeberto Barbosa
Hildeberto Barbosa

Não fui um bom professor!

Por: | 03/03/2025

Letra Lúdica
Hildeberto Barbosa Filho
Não fui um bom professor!

Não fui um bom professor! Lecionei em todos os níveis: fundamental, secundário, universitário e na pós-graduação. Grande parte de minha vida útil e profissional passei, portanto, no espaço da sala de aula. Espaço mágico e sem limites. Uma aula é uma experiencia de teor afetivo, uma aventura erótica que transcende a cronologia dos 50 minutos.
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Hoje, aposentado, e auxiliado pela distância no tempo, vejo que não fui um bom professor. Um autêntico pedagogo no sentido radical da palavra. Talvez tivesse a paixão do educador, mas não tinha a eficiência e o rigor dos que sabem conduzir e orientar. Sugerir caminhos e despertar interesses e motivações.

Gostava da sala de aula, é verdade. Fazia minhas exposições (não tinha outro método!), com responsabilidade e, não raro, com entusiasmo. Nunca fui de preparar aulas, organizar esquemas, utilizar o quadro negro com eficácia e criatividade.

Expor a matéria selecionada, abordar um assunto preferido, sobretudo, assuntos literários; jogar com as ideias e os conceitos, problematizar certos temas, exemplificar com casos e situações concretos, enfim, pensar e procurar compartilhar o pensamento constituíam os procedimentos básicos de alguma possível didática.

Gostava de ouvir os alunos, apreciava suas perguntas, tentava valorizar seus comentários. Também me valia muito dos textos em atividades de leitura preparatória para promover uma discussão crítica e esclarecedora. Fazia tudo isto com gosto e verdade, mas, não tenho dúvidas, não fui um bom professor.

Por outro lado, detestava assinar as cadernetas, elaborar planos de pesquisa, fazer avaliações, organizar grupos de
alunos, enfim, realizar qualquer tarefa que não fosse o uso da palavra na sala de aula. O pior de tudo eram as reuniões intermináveis com os meus pares. Dizem que Deus criou a Universidade, e o Diabo, o colega de departamento.

Lia muito sobre os tópicos do programa dos cursos. Estudava os manuais, consultava os dicionários, frequentava as enciclopédias, refletia sistematicamente antes de enfrentar cada turma, pois almejava dar o melhor de mim mesmo aos alunos e alunas que se dispunham a me ouvir. Porém, não fui um bom professor.

Concluída a aula, mesmo sabendo que uma aula nunca se conclui, evitava intimidades com os discípulos, fugia das relações de amizade e cultivava um secreto amor pela aura da hierarquia. Professor aqui, aluno, ali. Via a aula como sagração. Fora dela, tudo me parecia banalidade. Por isto, repito, não fui um bom professor.

Bom professor não é o que domina o conteúdo curricular, o que nunca falta às aulas, o que cumpre pontualmente os ritos ordinários da relação ensino-aprendizagem. Fiz tudo isto dentro de minhas possibilidades, mas, um bom professor vai além disto. Pesquisa, forma grupos de estudo, sabe ser amigo dos alunos, sabe guiar seus itinerários mentais, convivendo com eles na sala de aula e em outros lugares. Alia a paixão à inteligência, a competência à solidariedade, a sabedoria à formação. Isto me faltou.

De fato, não fui um bom professor. No entanto, para meu consolo, convivi com alguns, quando de minha passagem pela UFPB. Wellington Pereira, de saudosa memória; José Edilson de Amorim, Milton Marques Júnior, Arturo Gouveia, Chico Viana, Sandra Luna e Genilda Azeredo me parecem exemplos modelares dessa estirpe rara. Estes, sim, os alunos nunca esquecem. Quanto a mim, cabe muito bem o silencioso olvido.


(Publicado ontem, 03/03/25, em A União)


FONTE: A União - via Facebook - Acesse

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