José Octávio de ARRUDA MELLO
José Octávio de ARRUDA MELLO
José Octávio de ARRUDA MELLO

UM LIVRO QUE DEVE SER LIDO

Por: | 18/06/2025

UM LIVRO QUE DEVE SER LIDO

José Octávio de ARRUDA MELLO (*)

 

Em recente lançamento, alegrei-me quando jovem senhora disparou de súbito:

 – Não está me reconhecendo? – Você votou em mim para o Senado!

Era Frances Zenaide, que não via há muito tempo, e agora reaparece, como coautora de Palavras 100 Fronteiras (Ideia 2025), a coletânea preparada por Washington Rocha. Este, descambando do antigo radicalismo esquerdista do tempo do Liceu, para bem dosado liberalismo crítico, aparece com achega do melhor nível referente à atual guerra do Oriente Médio. Para WR “muitos afirmam, e nos juntamos a estes, que só a velha proposta de dois Estados poderá levar à solução do conflito, engendrando uma paz duradoura”.

Por esta e outras razões, Palavras 100 Fronteiras constitui livro que deve ser lido. Outra razão da valorização da coletânea reside na criteriosa escolha dos colaboradores, procedida pelo coordenador, os quais, consequentes e heterodoxos, asseguram o nível do estudo.

Na abertura, por exemplo, o publicista Gil Messias, reafirmando a condição de um de nossos melhores ensaistas, torna-se feliz ao analisar os recém falecidos Carlos Aranha e Humberto Fonseca de Lucena. Enquanto Aranha “vanguardeiro, plural e sozinho” reafirma, até nos trajes, a irreverência de que se fazia possuído, Humberto expressa, na filiação a Araruna e Instituto Histórico e Geográfico, a contribuição oferecida à geo-história. Textualmente: “Araruna deu-lhe tudo. E ele retribuiu na mesma medida: deu-se todo a Araruna”.

Outra passagem de méritos é a de Sergio Botelho. Recentemente, por mim definido como “O Homem da AFUF”, Botelho ocupa-se dos musicistas Oliver Von Shosten e Olegário de Luna Freire para evocar o sucesso da antiga Orquestra Tabajara que, iniciada com o bloco Batutas de Jaguaribe, transferiu-se para o plano nacional, quando “ante a morte repentina de Olegário Luna Freire em 1938, o clarinetista Severino Araujo assumiu-lhe o comando”.

“É surpreendente a resposta rápida do corpo ao olhar do amado(a). O coração acelera, a resposta fica sôfrega, há um amolecimento geral das forças em total rendição” - excertos como este sobre o amor asseguram a Mirtzi Lima Ribeiro permanência equivalente ao subsequente Clemente Rosas. Este, embora carregando nas tintas sobre o indefectível Ariano Suassuna, registra entre “os homens que fizeram história”, o bravo capitão paraquedista do PARA-SAR, Sergio Ribeiro Miranda, o Sergio Macaco. Quando do falecimento deste, o cronista Rubem Braga sustentou que “seu comportamento redimiu a espécie humana”.

É bastante procedente o que Hildeberto Barbosa escreveu sobre o múltiplo WJ Solha mas, para mim, o melhor do consagrado crítico refere-se a Claudio Limeira, como parceiro da colega Yô. Autor de antológico poema acerca do cotidiano de Cuité, Claudio tornou-se, a certa altura, editor do suplemento literário Correio das Artes onde, graças a seu espírito democrático, todos tinham vez.

Em Palavras 100 Fronteiras quem mais se assemelha a Washigton Rocha é o cientista político Rubens Pinto Lyra, como autor do necessário “autoritarismo de esquerda e socialismo”. Também procedente da exaltação estudantil dos anos 60, Lyra evoluiu de certo anarco-sindicalismo para marxismo substancialmente crítico que lhe permitiu dignificar Kautsky, como principal teórico da Segunda Internacional. Seu texto rejeita o “socialismo de penúria” da URSS que, erigido sobre o férreo determinismo de Lenine, com sua ditadura do proletariado, deu no que deu...

À margem as lucidas colocações de Solha – José Urquiza o denominava Sólha – acerca de Vladimir Carvalho, Palavras 100 Fronteiras comporta outras meritórias passagens que o espaço não permite desenvolver.

Por isso, encerro estas linhas proclamando minha admiração pelo trabalho cultural produzido por Washigton Rocha e sua ex-companheira Telma. Trata-se de algo diverso da agitação de 1968 quando, meu aluno, ele – vejam só! – me considerava reacionário pela recusa em subordinar as aulas de historia – embora avançadas! – a proselitismos dogmáticos.

Muito tempo depois li no sociólogo italiano Norberto Bobbio que o professor – embora aberto! – não se deve transformar em profeta. Se a observação me recompôs com o liberalismo filosófico, em Washigton Rocha tal o conduziu a criticismo consequente e responsável pelo êxito de Palavras 100 Fronteiras.

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(*) Historiador de ofício, pós-doutorado pelo IEB/USP e autoria de História da Paraíba – Lutas e Resistencia (14aed 2023).


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