Se estivesse vivo, no dia 22 de julho passado meu pai teria completado 88 anos de vida; idade em que morreu o pai dele, meu avô (que já conheci cego e um tanto esclerosado), o Tenente Maestro do Exército Francisco Gomes Picado que, em 1946 (então primeiro Presidente da Ordem dos Músicos do Brasil – Sessão Paraíba), organizou e regeu a primeira orquestra considerada sinfônica da Paraíba no então Cine Teatro Plaza, na capital.
Sempre referindo-se à visão da velhice enquanto “terrível”, meu pai não queria ficar velho. Não apenas por conviver com a degradação e o sofrimento provocado pelo tempo em seus pais (embora meu avô fosse espirituoso), tendo testemunhado as dores de sua mãe, já morrendo de câncer com pouco mais de 70 anos de idade.
Quando andando pela cidade, ao chegar em casa, meu pai me dizia de sua angústia ao reencontrar “decrépitas” as belas moças que conhecera na juventude; principalmente as mais velhas; as que ele achava mais lindas, tendo namorado com uma que lhe dera um sabonete com o qual tinha tomado banho; para que também se banhasse com ele! “Nada mais excitante!”, reconhecia, lembrando os pudores vigentes naquela época, quando sequer se poderia ver sossegado os tornozelos das moças!
Menos que a morte – cuja presença lhe motivava toda curiosidade sobre a origem e os propósitos da Vida (luminosa) no (bruno) vazio universal (sem que tivesse uma teoria própria sobre o assunto, embora, apesar de sua formação cristã, defendesse a hipótese do Big-Bang; a extensa expansão e, depois, a contração do Universo para o reinício de um novo Big-Bang ad eternum) - menos que a certeza da morte, portanto, sua angústia se alimentava não apenas por não ter uma resposta de “Deus” sobre todo absurdo reinante (ou também por ter descoberto as razões pelas quais Erasmo de Rotterdam escreveu um elogio à loucura), mas principalmente pela “certeza” de sua velhice iminente; desejando mesmo “morrer jovem” para não enfrentá-la, sem que imaginasse que, logo, estaria aparentando 80 anos de idade aos 46, quando morreu depois de três hemorragias; por causa da diabetes precoce (um mal de família) e pela cirrose, que se desenvolveu em decorrência do consumo excessivo de bebidas alcóolicas ao longo da vida; um artifício que, a partir dos 18 anos, encontrou para vencer a timidez e enfrentar as “dores do mundo”.
Antes de ser Professor Universitário (lecionava originalmente Literatura Inglesa, tendo sido um dos mentores do Curso de Educação Artística da UFPB; graças a sua intimidade com a história, a filosofia e a prática das artes, particularmente a Pintura (uma das formas de expressão das artes visuais), foi um dos precursores do Modernismo na Pintura no Estado, estado também entre os que, na Paraíba, primeiro produziam cinema em bitola Super-8.
Mas, apesar de seu pouco tempo de vida, meu pai fez mais, muito mais do que posso contar aqui para que tivessem posto seu nome na galeria de arte da Fundação Espaço Cultural da Paraíba.
Carregando o nome dele, sei bem o que quis dizer o Prof. Jomard Muniz de Britto quando, então meu professor na UFPB (nos anos 1990), pedindo para que produzíssemos um livro artesanal enquanto trabalho de casa, depois, num texto intitulado “Alceu e Archidy: dois artistas quando jovens”, escreveu:
“Não é, nunca foi fácil carregar para o futuro, enquanto menino eternamente prometido e prometeico, o peso do nome e de um sobrenome sem precisar cometer o imaginário assassinato do pai de família, ou da repartição, ou da univer-cidade.”
Não. Não é. Principalmente quando não reconhecem minha filiação e me chamam simplesmente de “Archidy Picado”.
Mas este não é sobre mim.
Até que o inevitável total esquecimento nos separe, portanto; enquanto houver vidas vagando por este planeta; enquanto houver onde conservar a Memória, homenageemos aqui, ali, acolá quem (ainda), entre as pessoas mais queridas, não podemos esquecer.
OBS: a imagem não é reprodução da marca oficial da galeria, mas algo que produzi por conta própria.
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