Um poema acontece. Não seria o poema o grande acontecimento? Um poema sempre acontece. Quando o mundo silencia, e o vazio das coisas capturam signos e sinais; quando nada parece não estar acontecendo, acontece o poema, reina o milagre. Solha sabe isto porque sabe cultivar as ampulhetas da palavra, sua informulavel geografia. Um poema sempre acontece desde o sacrifício das fêmeas e se estratifica no erotismo da terra violentada. A canga que asfixia o homem e o arado que sulca o solo adusto também comportam o acontecimento do poema, em suas inesperadas bifurcações. Um poema sempre acontece na batalha de Oliveiros, no relato de Prócula, na história universal da angústia, na leitura de Shakespeare e no trigal com corvos. Acontece, sim, porque as palavras se atritam no disfarce da prosa que se quer poesia. No espetáculo das coisas que se desnudam em sua intrínseca sabedoria e em sua disposição singular para ser e existir. Um poema sempre acontece nas cores, nas imagens, na cena, na música, na mudez do mundo. Acontece como experiência única, intransitiva, palpável… e mais do que é porque poderia ser. Um poema sempre acontece. Basta a vida, com sua respiração inadiável.
