Mirtzi Lima Ribeiro
Feminicídio é um nome relativamente novo para uma prática antiga, anteriormente chamada de “legítima defesa da honra masculina”. A diferença é que a nomenclatura atual carrega a classificação de crime, exatamente para demonstrar que o caso não é banal e nem se aceita mais que os homens tenham todas as regalias ao justificar que mataram porque se sentiram agredidos em sua honra haja vista que a mulher queria estudar ou trabalhar, vestir o que quisesse, expressar suas opiniões e ter o direito a ir e vir com confiança e segurança.
Apenas em março de 2021 o Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu que a tese de “legítima defesa da honra” é inconstitucional, porque fere princípios constitucionais da dignidade humana e da proteção à vida e da igualdade de gênero, não podendo ser usada nos processos penais durante o julgamento diante do Tribunal do Júri, sob a pena de tornar nulo o julgamento (Decisão, Acórdão do referendo da Medida Cautelar na ADPF 779, 15/03/2021).
A maioria dos assassinatos de mulheres poderia ter sido evitado, caso as pessoas do convívio delas e as autoridades, agissem preventivamente sem minimizar o potencial destrutivo dos relacionamentos tóxicos em que o homem acha que a mulher é uma marionete, que ele pode determinar o que ela deve dizer ou fazer, que pode controlá-la e moldá-la como se fosse um animal adestrado.
Não, definitivamente não. Nenhuma mulher deve abdicar do seu direito de ir e vir, assim como de todas as prerrogativas outorgadas legalmente a todo ser humano, porque é digna de ser respeitada e tratada com educação.
Mas, esse peso sobre a mulher é secular e ainda hoje, em pleno Séc. XXI (2001/2100), continua sendo desmedido e sem comparação em relação às liberdades e direitos masculinos. O que se quer é ter direitos iguais, mas, jamais ser igual ao homem. Alguns usam desse argumento de que a igualdade é em relação ao físico, às funções orgânicas, até aos hormônios. Não. Isso é pensar pequeno. O que se deseja, e isso é claro e límpido, é que apesar das diferenças de gênero, os direitos é que precisam ser iguais. Os direitos: ir e vir, escolher, exercer a vida e a profissão, ter direito a voz e voto, ter direito de receber salários sem diferenciação para as mesmas tarefas.
Quanto à maternidade, que se garanta que mesmo ela sendo mãe, possa trabalhar e manter sua independência financeira. Essas garantias minimizam as responsabilidades que na atualidade fazem a mulher ter uma tripla jornada: no trabalho secular, no trabalho doméstico, assim como na criação e cuidado com os filhos. As creches e a pré-escola (de zero a cinco anos de idade), especialmente as mantidas pelo poder público, visam equacionar a desigualdade em relação às responsabilidades laborais entre homens e mulheres, de modo a que a mulher possa se sentir segura para trabalhar sem se culpar por ter filhos pequenos.
Quando uma mulher ingressa no campo político partidário, a primeira coisa que o “sistema” vai cutucar é a “moral” dela: como se um bom número de homens fossem santos e não cometessem perversões e desrespeitos no campo sexual e afetivo. Um mero deslize feminino nesse campo a faz levar carimbos dos mais vis e abjetos, enquanto o “macho alfa” recebe os louros de “bom pegador”.
Se uma mulher adentra em áreas que antes eram restritas ao universo masculino, ela enfrenta guerras atrozes para sobreviver profissionalmente.
Não foi à toa que durante o período da inquisição a quantidade de mulheres queimadas foi imensa, porque agiam diferente do padrão ditado para elas e queriam viver como achavam conveniente: usar ervas para cura, cantar, dançar e não admitir ser uma “coisa”. Elas não eram “bruxas”, eram seres humanos que queriam viver à sua maneira sem a tutela do sistema patriarcal extremamente verticalizado à época.
Até mesmo nos crimes de estupro, absurdamente, muitos dedos apontam para a mulher como sendo a “culpada”. Entretanto, crimes como esse são cometidos em mulheres ainda criancinhas e que usam fraldas, ou naquelas cujo corpo está todo coberto pelo uso da burca. Então, não será uma calça comprida, um short ou um biquíni que farão a diferença para um estuprador. Esse criminoso acredita que a mulher é um objeto para uso em suas perversões sexuais, e isso independe da idade da mulher, da cor, religião, orientação sexual, vestimenta, instrução ou perfil estético.
O preconceito contra a mulher é absorvido inclusive por muitas mulheres, notadamente as que abraçaram religiões fundamentalistas, onde o papel feminino é inferiorizado.
Isso precisa ser exposto para que possa ser identificado, debelado e educado. Quanto mais se minimiza ou se acoberta essa característica machista e obsoleta, mais incentivo darão aos matadores de mulheres. Muitos vão concordar com o que aqui está exposto, porque é lógico e sensato.
Por isso e muito mais, é pungente uma mudança de pensamento.
Que as mulheres possam ser respeitadas e lhes seja assegurado o direito de ser e de fazer o que lhe aprouver.
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