É possível condenar o governo de Israel por crimes
de guerra em Gaza sem enveredar pela infâmia do antissemitismo
Washington Rocha
No primeiro
século da Era Cristã, após a guerra promovida pelo Império Romano – imperadores
Vespasiano e seu filho e sucessor Tito – contra a província da Judéia – a
capital Jerusalém arrasada, o Templo de Salomão destruído –, houve a grande
diáspora. Os judeus sobreviventes, espalhados pelo mundo, passaram a ser
perseguidos, com maior ou menor crueldade, em um ou outro tempo e lugar;
havendo, porém, lugares e momentos de bom acolhimento. Como todos sabem, o
preconceito e ódio antissemita culminou com o chamado holocausto, quando a
Alemanha nazista promoveu o extermínio de cerca de seis milhões de judeus. Tivessem
os judeus uma Pátria, teriam tido a possibilidade de ter, pelo menos resistido;
talvez evitado não só o holocausto, mas também outras perseguições milenares.
O movimento
sionista, iniciado no fim do século XIX, teve como programa, justamente, a
reconstrução dessa Pátria pelo retorno ao lar de origem: a Terra de
Sião/Israel. Tal desiderato foi realizado após a derrota do nazismo na Segunda
Grande Guerra e sob o impacto do desvelamento dos horrores do holocausto. Nesse
erguimento de um lar para os judeus, o Brasil teve papel da maior importância,
especialmente através da ação do nosso extraordinário diplomata Oswaldo Aranha.
Tudo isso é
história sabida e repetida, a que se tem de voltar mais uma vez porque no
rastro da polêmica do conflito de Israel com os palestinos e guerra contra o
Hamas vem sendo reabilitada, agora no âmbito da esquerda, a infâmia do discurso
antissemita.
Antes de
prosseguir serão úteis algumas outras considerações de base. Desde a diáspora
do século primeiro, nunca deixou de haver judeus que continuassem vivendo, ou
se escondendo, como pudessem, na Pátria destruída; tanto quanto é verdade que
na região foram chegando, ao correr de séculos, populações de outras origens,
principalmente árabes; havendo forte concentração na região conhecida também
com Palestina. Portanto, uma primeira questão de justiça se impõe: se os judeus
tiveram direito à sua Pátria, os palestinos têm o mesmo direito a uma Pátria
livre e soberana. Isto, aliás, fora previsto na resolução da ONU, em novembro de
1947, que estabelecia a divisão da região, já conflituosa, em dois Estados:
Estado de Israel e Estado da Palestina. Em maio de 1948, David Ben-Gurion,
presidente da Organização Sionista Mundial, proclamou o nascimento oficial do
Estado de Israel. Os palestinos não aceitaram a partilha e, com apoio de países
árabes, atacaram o Estado recém fundado. Já em 1949, Israel havia vencido esta
curta guerra; que, no entanto, seria a abertura para outras, num conflito que
parece interminável. Muitos afirmam, e nos juntamos a estes, que só a velha
proposta de dois Estados poderá levar à solução do conflito, engendrando uma
paz duradoura.
No momento,
principalmente duas forças se opõem a esta solução: o governo criminoso de Benjamin
Netanyahu e o grupo terrorista do Hamas; que é também governo criminoso de
Gaza. Netanyahu e seu governo de extrema-direita projetam uma extensão sem
limites de Israel sobre o território palestino; já o Hamas tem como programa a
extinção total de Israel.
Fora desses
extremos, só resta a solução dos dois Estados. Eis que parte da esquerda,
entoando o refrão “From the river to the sea, Palestine will be free” (Do rio
até ao mar, a Palestina será livre) vem perfilhando o programa do Hamas;
abrindo uma narrativa que vai do antissionismo ao mais despudorado
antissemitismo. Vejam que a Palestina só pode se estender do rio (que é o
Jordão) até ao mar (que é o Mediterrâneo) passando por cima, destruindo,
ocupando todo o território israelense.
Historicamente,
a relação da esquerda – especialmente a esquerda marxista – com o judaísmo é
profunda e muito complexa; isto porque a participação de judeus foi – e continua
sendo – exponencial tanto no desenvolvimento do capitalismo moderno quanto na
contestação revolucionária do capitalismo. Sem entrar, por enquanto, nessa
complexidade, quero terminar a primeira parte deste artigo com uma abordagem do
líder bolchevista Vladimir Lênin sobre o antissemitismo:
“Apenas as pessoas totalmente
ignorantes ou embrutecidas podem acreditar nas mentiras e calúnias disseminadas
contra os judeus”.
(continua na próxima
atualização desta Coluna Rocha 100)
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