Rocha 100
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É possível condenar o governo de Israel por crimes de guerra sem apelar para o antissemitismo

Por: | 06/03/2024

É possível condenar o governo de Israel por crimes de guerra em Gaza sem enveredar pela infâmia do antissemitismo

Washington Rocha


No primeiro século da Era Cristã, após a guerra promovida pelo Império Romano – imperadores Vespasiano e seu filho e sucessor Tito – contra a província da Judéia – a capital Jerusalém arrasada, o Templo de Salomão destruído –, houve a grande diáspora. Os judeus sobreviventes, espalhados pelo mundo, passaram a ser perseguidos, com maior ou menor crueldade, em um ou outro tempo e lugar; havendo, porém, lugares e momentos de bom acolhimento. Como todos sabem, o preconceito e ódio antissemita culminou com o chamado holocausto, quando a Alemanha nazista promoveu o extermínio de cerca de seis milhões de judeus. Tivessem os judeus uma Pátria, teriam tido a possibilidade de ter, pelo menos resistido; talvez evitado não só o holocausto, mas também outras perseguições milenares.

O movimento sionista, iniciado no fim do século XIX, teve como programa, justamente, a reconstrução dessa Pátria pelo retorno ao lar de origem: a Terra de Sião/Israel. Tal desiderato foi realizado após a derrota do nazismo na Segunda Grande Guerra e sob o impacto do desvelamento dos horrores do holocausto. Nesse erguimento de um lar para os judeus, o Brasil teve papel da maior importância, especialmente através da ação do nosso extraordinário diplomata Oswaldo Aranha.

Tudo isso é história sabida e repetida, a que se tem de voltar mais uma vez porque no rastro da polêmica do conflito de Israel com os palestinos e guerra contra o Hamas vem sendo reabilitada, agora no âmbito da esquerda, a infâmia do discurso antissemita.

Antes de prosseguir serão úteis algumas outras considerações de base. Desde a diáspora do século primeiro, nunca deixou de haver judeus que continuassem vivendo, ou se escondendo, como pudessem, na Pátria destruída; tanto quanto é verdade que na região foram chegando, ao correr de séculos, populações de outras origens, principalmente árabes; havendo forte concentração na região conhecida também com Palestina. Portanto, uma primeira questão de justiça se impõe: se os judeus tiveram direito à sua Pátria, os palestinos têm o mesmo direito a uma Pátria livre e soberana. Isto, aliás, fora previsto na resolução da ONU, em novembro de 1947, que estabelecia a divisão da região, já conflituosa, em dois Estados: Estado de Israel e Estado da Palestina. Em maio de 1948, David Ben-Gurion, presidente da Organização Sionista Mundial, proclamou o nascimento oficial do Estado de Israel. Os palestinos não aceitaram a partilha e, com apoio de países árabes, atacaram o Estado recém fundado. Já em 1949, Israel havia vencido esta curta guerra; que, no entanto, seria a abertura para outras, num conflito que parece interminável. Muitos afirmam, e nos juntamos a estes, que só a velha proposta de dois Estados poderá levar à solução do conflito, engendrando uma paz duradoura.

No momento, principalmente duas forças se opõem a esta solução: o governo criminoso de Benjamin Netanyahu e o grupo terrorista do Hamas; que é também governo criminoso de Gaza. Netanyahu e seu governo de extrema-direita projetam uma extensão sem limites de Israel sobre o território palestino; já o Hamas tem como programa a extinção total de Israel.

Fora desses extremos, só resta a solução dos dois Estados. Eis que parte da esquerda, entoando o refrão “From the river to the sea, Palestine will be free” (Do rio até ao mar, a Palestina será livre) vem perfilhando o programa do Hamas; abrindo uma narrativa que vai do antissionismo ao mais despudorado antissemitismo. Vejam que a Palestina só pode se estender do rio (que é o Jordão) até ao mar (que é o Mediterrâneo) passando por cima, destruindo, ocupando todo o território israelense.

Historicamente, a relação da esquerda – especialmente a esquerda marxista – com o judaísmo é profunda e muito complexa; isto porque a participação de judeus foi – e continua sendo – exponencial tanto no desenvolvimento do capitalismo moderno quanto na contestação revolucionária do capitalismo. Sem entrar, por enquanto, nessa complexidade, quero terminar a primeira parte deste artigo com uma abordagem do líder bolchevista Vladimir Lênin sobre o antissemitismo:

 “Apenas as pessoas totalmente ignorantes ou embrutecidas podem acreditar nas mentiras e calúnias disseminadas contra os judeus”.

(continua na próxima atualização desta Coluna Rocha 100)

 


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