O sionismo histórico e o uso do antissionismo como chave antissemita
Washington
Rocha
O sentimento que levou ao surgimento do sionismo
como movimento político organizado é muito antigo. Durante muitos séculos, por
exemplo, desde a destruição do Templo de Jerusalém e diáspora, judeus
espalhados pelo mundo entoaram a esperançosa oração: “Ano que vem em Jerusalém”. Estando os judeus espalhados por
inúmeros países, aproximados a culturas diversas e divididos por interesses
diversos; por isso mesmo, a organização e evolução do sionismo foram
intensamente conturbadas. Houve refutação por parte de muitos judeus e,
internamente ao movimento, dissensões e divisões mais ou menos agudas. Pelo
início do século XX, quando já se fortaleciam ações de preparação para criação
do Estado de Israel, foi muito ativa uma ala de extrema-direita liderada por Zeev
Jabotynsky. Porém, haveria de ir prevalecendo a ala da esquerda-democrática,
com o sionismo trabalhista (ou sionismo socialista) de líderes como Ben-Gurion
e Golda Meir. Esse grupo político fundou o Mapai, partido sionista trabalhista
filiado à Internacional Socialista/2ª Internacional. Este partido esteve no
governo desde a fundação de Israel até 1968; por aí uns vinte anos. Durante
este período as conquistas democráticas de Israel foram expressivas, podendo-se
destacar o avanço na igualdade de gêneros e a experiência exitosa do socialismo
dos kibutzim. Com efeito, o papel exponencial das mulheres em todas as esferas
da sociedade israelense é reconhecido e celebrado por todo o mundo democrático.
Quanto aos kibutzim, trata-se da maior e mais bem sucedida experiência comunal
secular da história moderna.
Todavia, desde o fim dos anos 1960, o sionismo
trabalhista entraria em declínio, dando espaço para partidos e movimentos
políticos de direita. Em 1973 o partido direitista Likud assumiu o governo. Com
as idas e vindas naturais no sistema eleitoral democrático, este Likud voltou
ao governo em 1996 sob a chefia de Benjamin Netanyahu; que perdeu em 1999 e
retornou em 2009. Para esse retorno e para se manter no poder, Netanyahu reuniu
tudo o que havia de mais atrasado e violento em Israel; incluindo-se aí o
judaísmo religioso ultra-ortodoxo e colonos expansionistas.
O que se pretende marcar com mais repetições do que
todo mundo sabe é que os crimes de guerra ora perpetrados em Gaza não são de
responsabilidade do sionismo, mas do atual governo de Israel.
Historicamente, o sionismo foi um movimento legítimo
e vitorioso; tendo realizado o alto desiderato de construir uma nova Pátria
para os judeus. Que em nome do sionismo promovam-se crimes de guerra é
ilegítimo. Modo ilegítimo de proceder que, aliás, não é raro. Veja-se, por
exemplo, os crimes cometidos pela Igreja Católica em nome do cristianismo; ou
os crimes cometidos pela URSS ao tempo de Stalin em nome do marxismo. Também é
ilegítimo usar os crimes de guerra do governo Netanyahu para vilipendiar todo o
sionismo e invalidar moral e politicamente sua grande realização que foi a
construção do Estado de Israel. Os que assim declaram, entendem que o Estado de
Israel nunca deveria ter sido criado; subtendendo-se facilmente que deva deixar de
existir (sendo que, às vezes, não é preciso subtender, pois expressamente
declarado). Tal desejo de destruição configura violenta expressão de antissemitismo.
Não se duvide de que só será possível por fim ao Estado de Israel através do
extermínio de milhões de judeus.
Encaminho para o fim dessa segunda parte conversando
com Archidy Picado Filho, que, pelo Facebook, respondeu ao primeiro artigo com
uma refutação/reflexão que considero importante. Eis o que disse Archidy:
“Erguer um lar é diferente de voltar
ao lar de origem. Porém, judeus ou não, todos foram posseiros, já que em
essência não há cercas, quintais e muito menos fronteiras que determinam quem
são os "donos" da Terra. Por esta perspectiva, qualquer conflito
pela posse de terras não tem outra explicação (e nenhuma justificativa) senão
enquanto expressões da insanidade para a qual, ao que parece, não há remédio
nem formas eficazes de preveni-la.”
Não discordo,
apenas pondero: para os judeus, dispersos pelo mundo e perseguidos, foi o
sentimento de apego a uma Pátria perdida um fator determinante para o acúmulo
de forças necessário para a persistência na difícil empreitada. Certamente,
“judeus ou não, todos foram posseiros”. Tais posseiros não quiseram construir
um modo de convivência harmoniosa, nem tampouco chegaram a um acordo de
partilha. Se na “essência” idealizada por Archidy “não há cerca, quintais e
muito menos fronteiras”...; no mundo prosaico do egoísmo humano, tais divisões
têm sido a regra desde o alvorecer das civilizações. Uma das mais belas
canções, “Imagine” de John Lennon – que encantou gerações –, foi criada por
amor a essa sublime essência a que a Humanidade talvez esteja destinada...; mas
lá ainda não chegou.
Já antes de John
Lennon, Marx e Engels haviam elaborado este sonho poético em extensa prosa; embora
antecedido pelo pesadelo da violência revolucionária. O pesadelo de fato
ocorreu, mas o sonho não se concretizou. Vejam que a principal refutação do
marxismo – inclusive de muitos judeus marxistas – ao movimento sionista que se
fortalecia pelo início do século XX baseava-se na convicção doutrinária de que
a revolução proletária mundial não tardaria em acabar com toda sorte de
opressão e perseguição no mundo. Não houve tal revolução; pelo contrário, o
ódio e a perseguição antissemita exorbitaram na Europa. Enquanto a Pátria
socialista, a União Soviética, sob domínio de Stalin, recuava do sonho do
internacionalismo para a adoção pragmática da doutrina do “Socialismo em um só
país”. Esse mesmo pragmatismo levou Stalin a manipular atávicas disposições
antissemitas de certos setores da sociedade russa na sua luta contra a Oposição
de Esquerda, liderada por Trotsky e onde atuavam muitos outros judeus. Ao
perceber isto, Trotsky reagiu com grande amargura e ainda maior espanto. Vejam
o que está registrado no artigo “A posição de Trotsky sobre o antissemitsmo, o
sionismo e a questão judaica”, de Mario Kessler (disponível em
movimentorevista.com.br):
“Em uma carta a Bukharin, em 4 de março de 1926,
Trotsky protestou contra os tons antijudaicos de uma campanha de boatos: “É
verdade, é possível que em nosso partido, em Moscou, nas CÉLULAS DOS
TRABALHADORES, a agitação antissemita seja realizada impunemente?!””
(continua na próxima atualização desta Coluna Rocha100)
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