Mirtzi Lima Ribeiro
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Mirtzi Lima Ribeiro

A terceirização de responsabilidades

Por: | 26/03/2024

  

Mirtzi Lima Ribeiro 

 

Eu entendo que os problemas atuais da humanidade - alguns em uma dimensão inimaginável e de difícil solução pelas implicações e interesses antagônicos -, precisam ser resolvidos aqui mesmo na Terra, com a nossa mudança de comportamento no aspecto individual, coletivo, institucional e de políticas de Estado. 

 

Esse processo já se encontra em andamento, embora de modo lento na sociedade em geral, através de várias pessoas que vão tomando consciência de seu papel e missão como construtores de um novo padrão de pensamento e de comportamento para a sociedade contemporânea. 


Isso representa um contraponto ao nacionalismo exacerbado, o egoísmo acima dos interesses da coletividade, que conduz a humanidade a guerras, por motivos econômicos e territoriais estratégicos, desconsiderando princípios universais éticos e civilizados.  

 

Entretanto, em meio ao problema real e às prováveis soluções, há o ideário de místicos e devotos religiosos que endereçam o assunto exclusivamente à questão da salvação, de um possível arrebatamento ou redenção de uns poucos escolhidos e privilegiados aos olhos do Criador. Essas pessoas acham que aquilo que ocorre na face do planeta está estritamente circunscrito aos sinais listados em livros sagrados para um futuro próximo na culminância de uma catástrofe que esmagaria infiéis, fruto de um determinismo pontual e absoluto. Um determinismo absoluto.

 

É bom observar que o título do livro bíblico de “Apocalipse”, significa “Revelação” e não danação ou condenação pela via do sofrimento atroz. Há inúmeros simbolismos retratados em seus capítulos, que requerem uma análise depurada das metáforas e das imagens ali indicadas. 


O aspecto desta salvação que atualmente é apregoada por vários segmentos religiosos, fala de “arrependimentos” enquanto a tragédia mundial que assolará os infiéis não chega. O apelo é em relação a eventuais “pecados”, segundo os critérios dessas religiões, e que apenas esse ato de remorso, aliado a uma fé baseada no medo da punição divina, trariam a redenção sonhada.

 

Essa abordagem pode levar muitos à acomodação, a não se educar e a não se burilar o suficiente através de uma real mudança de comportamento. Essa adequação de atitude deveria ser no viés da compreensão e do discernimento que deveriam ter os cidadãos, e que esses elementos promoveriam ações construtivas baseadas em um maior comprometimento com o tecido social onde o ser humano estaria inserido. 

 

Eu já ouvi falar de que Deus, que os Arcanjos e os anjos, que irmandades de luz, e, até grupos de alienígenas, desceriam à Terra com vistas à efetivação de um novo “Eldorado”, em que a humanidade obediente aos ditames da religião “x” ou “y”, se veria em um mundo idílico. Os que não  se adaptassem a esse perfil delineado, estariam em danação. 

 

Todos esses seres seriam excelsos, estariam portando uma espécie de varinha de condão, capaz de transformar aqueles humanos que se arrependessem, em pessoas colaborativas e boas, convertendo-os em seres perfeitos e sem erro. Após isso, instaurariam um mundo paradisíaco por aqui. Talvez essas pessoas pensem que é mais confortável e simplista apostar todas as fichas nesta terceirização de responsabilidades. 


A romantização dessa “salvação” povoa o imaginário humano adulto, assim como as criancinhas acreditam que é o Papai Noel, que no Natal lhes traz o presente em um trenó.

 

Muitos preferem crer que seres divinos fariam o que é o nosso dever. Isso seria mais fácil do que assumir o seu compromisso quando o assunto é trabalhar na construção de um mundo mais humanizado, harmônico, cordato e civilizado. Não querem a disciplina sobre si mesmos para ser e fazer o que devem, melhorando e aprimorando a si mesmos. Penso que é surreal aguardar passivamente e sem nenhuma ação, que alguém ou alguma divindade venha trazer a paz e modificar esse status quo. 

 

Ao olharmos de modo isento para todo o cenário daquilo que muitos adotam como crença para a “salvação”, percebemos que a assunção do dever pessoal e institucional, parece ficar posta de lado, como se o ser humano não precisasse de fazer mais nada além de crer, ter fé e uma adoração a Deus. É uma espécie de fórmula mágica. Essa é uma atitude passiva, conformista e determinista que foge ao que é razoável.


Com esse pensamento, esquecem-se de que o poder de decisão foi concedido ao ser humano pelo próprio Criador Divino, assim como foi Ele que outorgou aos humanos a incumbência para que cuidassem da Terra e de tudo o que havia nela. Isto está registrado desde o livro bíblico de Gênesis até Revelação ou Apocalipse.

 

Sob esse prisma é razoável que nos devotemos à ação construtiva, através de projetos e programas que visem a mudanças e à equação dos abismos existentes entre as demandas e necessidades da maioria pobre que vive no mundo. 


Quem assim procede, sai das almofadas do conforto e entende que a espiritualidade começa a ser tecida no dia a dia, com ações concretas em benefício de mudanças exequíveis, com motivações plausíveis. 


É uma máxima entre o Céu e Terra: a vida enquanto vida é trabalho árduo. Logo, é sensato nos movermos e nos dedicarmos a fazer da Terra um mundo melhor: em comportamento, em justiça social e ambiental, empreendendo ações que gerem sustentação ao ideal que se acredita.

 

Quem leu a Bíblia, o Alcorão, o Bhagavad Gita, os Upanishads, ou em outros livros sagrados saberá que o ser humano foi dotado de faculdades que lhe capacitam a viver, fazer escolhas. E, que desde o começo das civilizações nós humanos estaríamos em condições de instituir nossa sociedade. Sabe também que não podemos terceirizar o nosso engajamento em tornar a vida aqui no planeta uma benção e não um perverso campo de batalha e opressão.

 

Essas atribuições humanas existem desde os primórdios, mas, infelizmente, ao longo do tempo elas foram esquecidas e sabotadas pelo comodismo e por essa delegação dos deveres. Creio que fomentar a ideia de que uma deidade, um alienígena ou os santos farão isso por nós, chega a ser pernicioso. 


Somos nós, na qualidade de indivíduos de uma sociedade organizada, que temos o dever de agir para estabelecer bases sólidas quanto a viver adequadamente de modo coletivo. Trata-se de educar, de agir e de trabalhar seriamente no constructo de responsabilidades afetivas, sociais e econômicas, assim como também daquelas relativas à sustentabilidade do planeta.

 

Ainda bem que uma quantidade robusta de humanos já abraçou esse ideário e trabalha na criação de pressupostos e atividades com vistas a tornar nosso mundo menos caótico, menos egoísta, menos mercantilista e menos vil. As ideias e projetos para essa finalidade já existem. Muitos já trabalham na sua implementação. É preciso agir conjuntamente, equacionar interesses difusos e estabelecer metas comuns. Aqueles que estão disseminando esse ideal, ajudam a despertar esse interesse em outros para que se engajem nessa tarefa a partir do conhecimento e esclarecimento em suas consciências. 

 

Os organismos internacionais e nacionais precisam direcionar suas populações para equacionar suas demandas, inclinações, capacidades e potencialidades. A educação precisa englobar temáticas relacionadas aos compromissos sociais, no sentido de que nenhum povo ou nação seja explorada com a finalidade de enriquecer os povos ou nações ricas. O amargo uso e abuso registrado na história humana, de uma nação sobre outra, deve ser reexaminado e novas posturas precisam se tornar realidade. A mudança nesse sentido é uma necessidade pungente.

 

Há de se desenvolver um novo modus operandi com vistas a tornar o mundo menos: beligerante, intolerante, segregacionista e menos desumano. Já existem bases para novas premissas na economia mundial, na ecologia, na política partidária, nas políticas públicas e para o conhecimento humano. É necessário se promover uma cultura inclusiva, onde os conceitos e ações em relação à natureza sustentável, humanos civilizados, Deus e cosmos, possam estar em convergência e harmonizados entre si.


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