A única vez na vida que fui correspondente de guerra foi numa guerra de mentirinha no final dos anos 1960. O então Quarto Exército do Brasil, cujo comando era sediado no Recife, resolveu fazer um treinamento militar no sertão de Pernambuco.
Milhares de soldados espalhados por unidades militares do Nordeste foram despachados para Salgueiro, e eu como repórter iniciante da sucursal do Jornal do Brasil, no Recife, também fui. Com 18 anos, nunca tinha entrado em um avião.
Eu e outros colegas embarcamos em um C-130 Hércules, avião militar quadrimotor, turboélice, de transporte de cargas e paraquedistas. O avião voava baixo porque apenas 513 quilômetros separam Recife de Salgueiro. Alguns de nós enjoaram.
O treinamento militar consistiria no enfrentamento de dois exércitos, o Azul e o Vermelho. Os comandantes do exército Vermelho eram identificados pelos nomes de Fidel Pasto e Che Quepal, em alusão a Fidel Castro e Che Guevara.
Ficou claro desde o início que o exército Azul venceria o Vermelho com relativa facilidade. O Brasil vivia sob uma ditadura, resultado do golpe militar de 1964, e cortara relações diplomáticas com Cuba que se convertera ao comunismo, uma ameaça à democracia.
De cara, disseram-nos que deveríamos reportar apenas o que os oficiais de relações públicas nos contassem, e que nossas reportagens só poderiam ser transmitidas para o Recife via o sistema de rádio do Exército. Só havia um sistema disponível.
No segundo ou no terceiro dia da guerra simulada, descobri que havia um segundo sistema de rádio, instalado na estação de trem de Salgueiro, que recebia boletins sobre a movimentação das tropas e qualquer incidente que pudesse ocorrer.
Não foi difícil tornar-me amiguinho de berço dos soldados que cuidavam do segundo sistema de rádio. E de convencê-los a passar por ali algumas das minhas reportagens diretamente para a sucursal do Jornal do Brasil, aquelas com informações exclusivas.
Tanques de guerra quebraram no meio do caminho, e eu fiquei sabendo por meio dos boletins; dois soldados morreram quando um caminhão se acidentou, e eu fiquei sabendo; além de notícias sobre a resistência inaudita e fora do script do exército Vermelho.
Nem de brincadeira militar gosta de perder, e a certa altura o exército Azul enfrentou dificuldades para derrotar o Vermelho. No alto de um morro, um boneco gigante de pano deveria tombar ao ser alvo de disparos de um avião. Demorou muito para tombar.
O avião empregado na tarefa disparava, disparava, mas não acertava o boneco. Um vexame. Jogava-se a culpa nas nuvens. Eu olhava para o céu e não via nuvens, só um sol inclemente. Até que um tiro derrubou o boneco. O piloto foi cumprimentado.
De volta ao Recife, soube que Bernardo Ludemir, chefe da sucursal do Jornal do Brasil, fora chamado a se explicar ao Quarto Exército. Não gostaram nem um pouco do que escrevi. Foi a primeira encrenca em que me meti no exercício da profissão. Outras viriam.
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