Areia de pote
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Paiva e a difícil vida de uma mulher de vida fácil

Por: Francisco Gil Messias | 03/06/2024

Paiva e a difícil vida de uma mulher de vida fácil

Francisco Gil Messias

gmessias@reitoria.ufpb.br


O paulista-paraibano Luiz Augusto Paiva é um homem da matemática, reconhecido professor dessa matéria pouco acessível à maioria das pessoas. Mas é também cronista, atualmente colaborando com regularidade no jornal A União e no blog Ambiente de Leitura Carlos Romero. Agora resolveu voar mais alto e publicou uma novela (Memórias Indecentes, Editora Caravana, Belo Horizonte, 2023) de 91 páginas, provável início de uma carreira de ficcionista que se anuncia exitosa. O autor é ainda o atual presidente da União Brasileira dos Escritores – UBE, seção da Paraíba. 


O enredo da obra é instigante. A narradora é uma assumida prostituta, que resolve contar “como nove homens fizeram da vida de uma mulher um mundo repleto de aventuras, sexo, tragédias, paixões, fantasias e arrependimentos”. Como se vê, tem de tudo um pouco e as histórias certamente agradarão a todos os gostos, exceção, talvez, aos mais pudicos, se é que ainda existem tais espécimes.


As memórias de uma profissional do sexo talvez necessariamente (ou inevitavelmente) não são, não podem ser, digamos, leitura para crianças (refiro-me aos infantes de outrora), já que a memorialista não pode fugir ao relato de suas experiências sexuais, ao menos daquelas que mais a marcaram, no bom e no mau sentido. Esperar o contrário é como não encontrar rastros de santidade na vida de um santo, ou seja, uma frustração completa. Nessa linha de pensamento, o livro do professor Paiva não decepciona ninguém, já que, sem vulgaridade, ressalte-se, entrega o que promete ao leitor. As memórias de sua sofrida mas forte personagem são bem ricas, do ponto de vista dos trabalhos de Eros, para dizer o mínimo.


O leitor, portanto, deve por de lado qualquer expectativa quanto a algum conteúdo pornográfico da obra. Não se trata disso no livro, claro, a despeito de algumas passagens mais, digamos, apimentadas da trajetória pessoal e profissional da narradora. Ela viu (e viveu) de tudo em sua atribulada existência, como é de se esperar, pois, sabemos, não há nada fácil em seu ramo de atividade, pelo contrário. Entretanto, não se tornou amarga nem revoltada, mantendo até mesmo uma certa alegria de viver, uma força pessoal para seguir adiante, apesar das dificuldades e dos reveses.


Sendo a narradora uma mulher (e que mulher!), observei o talento especial do escritor em incorporá-la à sua voz e à sua escrita. Flaubert, como se sabe, chegou a afirmar que “Madame Bovary sou eu”. Não chegarei a tanto, afirmando que Aída, a personagem de Paiva, é o nosso pacato mestre de matemática, cuja virilidade é explícita. Mas, do ponto de vista ficcional e literário, pode-se dizer, sim, que é um pouco (ou muito), tal como Capitu é Machado de Assis - e assim com todos os autores. É indiscutível que Paiva, digamos, penetrou sutil e profundamente na alma, na psicologia e na linguagem de sua heroína, tornando-a perfeitamente plausível e não caricata, o que é um feito para qualquer criador de ficção.


O autor concebeu a estrutura de sua novela de forma interessante. Há um capítulo introdutório intitulado “O começo de tudo isso”, no qual a narradora se apresenta em linhas gerais ao leitor e o introduz em sua personalíssima história. A seguir, são nove outros capítulos, cada qual com o nome do homem rememorado: Olavo, Sandoval, Hermenegildo, Valdo, Edgar, Alciclênio, Zé Eduardo, Sinval e Gregório, exatamente aqueles que “fizeram da vida de uma mulher um mundo repleto de aventuras, sexo, tragédias, paixões, fantasias e arrependimentos”, conforme se vê no subtítulo das Memórias Indecentes. Esses personagens retratam homens de diferentes perfis econômicos, culturais e eróticos (evidentemente). São muito diferentes entre si do ponto de vista psicológico e também quanto ao desempenho e preferências sexuais. Um pequeno painel de nossa  plural humanidade. E uma coisa importante: são descritos sem quaisquer julgamentos morais. O autor e a narradora os aceitam tais como são, ou seja, como deve ser.


Chamou-me a atenção a fluidez do texto. Não fosse o tema do livro provocativo por si mesmo, o ritmo adequado ao assunto facilita – e até estimula – a leitura. Não há quem amoleça no ânimo. O leitor e a leitora, esses incuráveis curiosos de buraco de fechadura, sentir-se-ão atraídos a ler a obra toda de um fôlego só, quem sabe numa sofreguidão compatível com o enredo. 


O professor Paiva já provou que é bom com números; agora prova sua mestria com as letras.    


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