May Cirilo
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A PRISÃO DE ABELARDO JUREMA

Por: | 03/06/2024

Publicado no jornal A UNIÃO edição de hoje:


 


No dia 1º. de abril de 1964, o paraibano Abelardo Jurema, então ministro da Justiça do governo João Goulart, concedia uma entrevista na Rádio Mayrink Veiga, que três anos atrás liderara a rede radiofônica conhecida como a Cadeia da Legalidade, organizada por Leonel Brizola, igualmente defendendo a manutenção da democracia e colocando-se na linha de frente de uma resistência em prol da Constituição Federal em vigor, quando, repentinamente, a rádio foi tirada do ar pelos militares.  


Naquele momento ele tomava conhecimento de que o golpe civil-militar estava em curso. Foi informado, também, que o presidente João Goulart já teria abandonado Brasília e se deslocado para a fronteira com o Uruguai, em busca de asilo. Resolveu ir ao aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, com o intuito de viajar para Brasília, pretendendo reassumir seu cargo de deputado federal. Militares do 2º. Exército o aguardavam com a ordem de prisão. De lá foi transportado para o Forte de Copacabana, sendo submetido a interrogatório até a madrugada do dia 2, e depois liberado pelo general Jurandir Bizarria Mamede, diretor da Escola de Estado-Maior do Exército, o que teria motivado uma reclamação do presidente Castelo Branco.


Eis como nosso conterrãneo narra o episódio de sua prisão, quando se encontrava no aeroporto Santos Dumont: “o Cel. Alvarez, muito emocionado, me procurava discretamente, distante dos demais Ministros de Estado para me informar que uma patrulha de oficiais da Escola de Estado- Maior do Exército se achava em uma das salas do comando, com ordem de me conduzir preso. O Cel. Alvarez e o seu ajudante de ordens, Tenente Farias, sugeriram-me fugir por uma das portas do comando que dava acesso ao interior do quartel, onde se achavam viaturas que me conduziriam para qualquer lugar que desejasse. Respondi ao Cel. Alvarez e ao Tenente Farias que estava muito reconhecido pela sugestão e pelo interesse que tomavam pela minha pessoa, mas que nada tinha a temer e nem iria comprometê-los numa fuga até inglória". Mostrou-se digno até quando se via numa situação que, para muitos, seria de desespero.


Por três dias permaneceu escondido em casas de amigos. Cassado, se exilou na Embaixada do Peru. Tinha informações de que a Polícia do então governador Carlos Lacerda havia invadido a sua residência na Cesário Alvim, disparando tiros de metralhadora para o alto, com o objetivo de prendê-lo. Ao perceber que um dos policiais vasculhava debaixo da cama do quarto, um jovem paraibano seu assessor, o interpelou: – “O senhor já viu paraibano se esconder debaixo da cama?” O jornalista Abelardo Jurema Filho conta em um dos seus livros que: "Foi um período muito traumático. Nossa casa sempre foi ponto de convergência para os amigos, e de repente éramos tidos como comunistas, como pessoas proscritas. No colégio, eu era tratado como o "filho do ministro" pelo diretor do colégio. E, de repente, passei a ser mal-tratado  pelos colegas e pelo mesmo diretor".


Esteve exilado na cidade de Lima, no Peru, por quatro anos, sobrevivendo, inicialmente, com a ajuda de amigos, até que conseguiu atuar como comerciante, vendendo charutos. Sua família ficou desamparada, pois não percebia qualquer rendimento para sustentação, pois lhe foi negado direito a pensão. Teve que recorrer aos parentes e amigos mais próximos para conseguir recursos financeiros para manutenção. 


Retornando ao Brasil em 1974, continuou sofrendo restrições políticas. Só em agosto de 1979, quando o presidente João Figueiredo assinou o decreto que concedia anistia aos brasileiros punidos pela ditadura, recuperou seus direitos políticos. Porém, não disputou mais nenhum cargo eletivo. Foi um paraibano que honrou nossa tradição de bravura.


Rui Leitão


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