Por: | 28/08/2024
Letra Lúdica
Hildeberto Barbosa Filho
Orgulho
Tenho orgulho das locas adustas donde vim, acesas para o mundo como órbitas devoradas pelo tempo.
Tenho
orgulho de meu tempo, dos verões e dos invernos de minha infância, livre e solitária, e de algumas coisas que fiz.
Orgulho das filhas que têm o universo na frente dos olhos e ao calor da pele.
Orgulho de ter lido Camões e de ter, como ressalva, um Adamastor nos meus sonhos.
Tenho orgulho de Políbio Alves, porque escreve para não morrer de silêncio.
Orgulho dos perfumes que Wellington Pereira aspirava nas ruas chuvosas de Paris.
Orgulho de Flaubert, Baudelaire e Valéry.
Tenho orgulho, sim, de ter vindo das roças secas de um Cariri abandonado.
Orgulho da mãe e do pai que eu tive, sua fibra e seu cavalos.
Orgulho daquilo que ninguém percebe. A de ser homem, sozinho entre os homens, sem nenhum deus para abençoá-lo.
Orgulho de amar os que me amam e de beber todo dia a cicuta de meu desespero.
Orgulho enorme de possuir vinte e um mil volumes numa biblioteca cheia de perigos e sabedoria.
Orgulho de ter lido Dostoiévski, o preferido entre os preferidos.
Orgulho de beber, todas as tardes, duas doses de conhaque com Drummond e de saber, como ele, que só o eterno conta e vale a pena.
Orgulho por aquilo não existir.
Orgulho do poema, da poesia, da imagem cifrada de teus olhos que brilham na minha solidão como dois faróis brilham para o nada.
Orgulho de ter as palavras à disposição e de escolher estar vivo, quando morrer talvez fosse a solução melhor.
Orgulho de Van Gogh que se deu à morte como um deus enlouquecido, e orgulho de seus girassóis e ciprestes dilacerados.
Tenho orgulho de ter Diadorim nas horas que quiser, nas narrativas e veredas das minhas leituras.
Orgulho de Vera, a minha verdade, o meu para sempre.
Orgulho da beleza e da sinfonia que nunca acaba.
Muito orgulho de ter feito muito pouco e de não ter acumulado riquezas.
Orgulho de ser o que sou e o que não sou, um velho poema por fazer.