"SEM DESTINO"
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Há pouco mais de três anos – com quase 80 - revi esse filme, 50 anos depois de tê-lo visto pela primeira vez no final dos anos 60, começo dos 70.
Aos vinte e nove anos vi que, no Easy Rider, Peter Fonda se chama Wyatt – alusão a Wyatt Earp - do velho Oeste, e que Dennis Hopper se chama Billy – como Billy de Kid, e que Peter usa uma jaqueta com a bandeira americana nas costas e capacete cheio das mesmas estrelas da star spangled banner, enquanto Hopper se veste como alguns cowboys – influenciados pelos índios: casaco cheio de franjas, igual ao de Shane – Alan Ladd – em Os Brutos Também Amam. E o cenário, em seus melhores momentos, é o Monument Valley, que Ford sacramentara em seus clássicos No Tempo das Diligências e Rastros de Ódio.
OK.
América.
E,
claro,
motos em lugar dos cavalos do far west – tal como vi no sertão paraibano, em 2010, ( 40 anos depois de sair de lá ) , nas filmagens do curta Antoninha, do Laércio Filho, em que fiz um coronel dos anos 30, dono do sítio que fora do pai de Ariano Susassuna, a gravação de meu diálogo com um padre o tempo todo interrompida pela passagem de motoqueiros na estrada em frente.
Motos. Em Easy Rider eram “duas lendárias Harley-Davidson FLH da Polícia, transformadas pelos garfos alongados”.
A diferença entre aqueles dois cowboys motorizados e este cara que começou a trabalhar aos quinze – e que fez romances, poemas, peças teatrais, quadros, filmes etc, etc, nas horas de folga de seus trinta anos de BB - , é que eles, com a compra de cocaína no México e revenda dela a um viciado de Los Angeles, que chega até eles num Rolls-Royce, ganham o bastante pra comprar as duas tremendas máquinas e com elas cruzarem, esbaldando-se, a América,
Em 1979 - ano em que lancei o romance A Verdadeira Estória de Jesus pela Ática e vi a estreia da Cantata pra Alagamar, versos meus, música de Kaplan - trabalhei por um mês na Direção Geral do Banco do Brasil, Brasília, e uma noite saí direto do expediente - de paletó e gravata, como estava - para ver o lançamento do filme 25, de José Celso Martinez sobre a independência de Moçambique. Fui uma absurda exceção numa sala lotada de hippies com mantas coloridas e cabelos black power
Sem Destino fora lançado dez anos antes, para a mesma plateia, quando, em Pombal - PB, produzíamos o primeiro longa paraibano - O Salário da Morte, em que eu era... um pistoleiro.
Daí que me marcou a fala do advogado alcoólatra vivido por Jack Nicholson, que viaja com a dupla até ser morto pelo tipo mais reacionário de americanos, os que se enfurecem com os cabelos compridos de Fonda e os do bigodudo Hopper ( que me lembrou muito o Belchior ):
- Sabe por que eles se danam? Porque vocês são... liiiivres.
Curiosa, essa visão de liberdade como uma busca de inconsequente dolce far niente que – talvez por ser filho de operários - sempre me parece insuportável, ainda mais com venda de drogas. Claro que eu gostaria de ter vivido, sempre, graças a meus livros, quadros, teatro, mas - se não tive cacife para tanto - ter emprego seguro, pra me manter e à família, com horários livres, férias, fins de semana, aposentadoria, para ( com a consciência tranquila ) fazer o papel de um camponês em A Canga, pintar um painel em homenagem a Shakespeare, escrever e dirigir uma peça como A Verdadeira Estória de Jesus, publicar o romance Relato de Prócula e o poema longo Marco do Mundo – não me faz, nunca me fez sentir que Peter e Hopper viveram, em Sem Destino, a vida que eu queria ter vivido.
Há um momento, perto do final, em que Wyatt – Peter Fonda –diz: “Estragamos tudo” – coisa que Billy – Hopper – não entende.
E aí, no final, um caipira, na boleia de uma camioneta, estrompa Billy – que vem na moto, em sentido contrário, na interminável estrada - com um tiro estúpido. Wyatt, estupefato, aproxima-se do companheiro arrebentado, monta na Harley e vai ao encontro do “inimigo” e é, também, fulminado – com moto e tudo.
Naquele mesmo ano de 1979, a "cavalaria" americana - não de motos, mas de helicópteros - ataca, ao som da Cavalgada das Valquírias, de Wagner, uma aldeia do Vietnã.
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