Por: | 09/09/2024
HOJE FOI, PARA MIM, UM DIA FORA, EXTREMAMENTE FORA DO COMUM: RECEBI UM GRANDE POEMA DO MILTON REZENDE, LÁ DE MINAS, UM TEXTO GENIAL - TREMENDAMENTE ERUDITO - DO GERMANO ROMERO SOBRE A MÚSICA DO FIM DO MUNDO, E - AGORA - ESTES VERSOS... SURREALÍSSIMOS ... DO HILDEBERTO BARBOSA FILHO:
Hildeberto Barbosa
16:22 (há 1 hora)
para mim
Minha casa
era cheia de locas encantadas,
cheia de arvoredos, mágicos
quintais.
Detrás do Juazeiro,
morava um profeta de Jerusalém.
No jardim, onde hortênsias
se riam da urbana tristeza,
Hipócrates ministrava seu curso
de medicina grega.
Platão sentava comigo
num velho banco de pedra
e tentava me engambelar
com a vitrine do idealismo.
Aristóteles me dava lições
de poética formal,
sem perceber que o abismo
da Idade Média lambia a cal
das paredes.
Minha casa
estava cheia de pássaros,
gaiolas, sinos, pedras, chaveiros,
chocalhos, facas, adagas, terracota,
tudo que me excitava ao legume
de uma coleção.
Tinha santo por todos os lados,
mas nunca tive fé.
Tinha muitos livros raros,
cartas do século findo,
um tosco almanaque de bruxedos
vindo da Islândia.
No corredor,
sempre proseava com meus mortos,
jogava damas com o aroma
da ausência,
rogava que me esperassem
sob o sol da eternidade.
Minha casa
era um museu de ocasos,
ventanias, crepúsculos, tempestades,
oratórios, saudade.
Em cada quarto
nascia uma metáfora
de Holderlin,
um esquecido soneto
de Augusto,
todas as elegias do mundo.
No alpendre, vasto, ventilado,
só cabia o spleen de Baudelaire,
certas coisas de Paris
que já se foram.
O rio Sena,
a serenidade de suas águas
dentro da memória.
Tudo se misturava
na sala de minha casa.
A cadeira de balanço
onde minha avó tricotava
as agonias de dentro,
a garrafa de conhaque
que meu pai não secou,
o retrato de Jesus Cristo
espiando nosso desamparo.
Lá fora,
os cavalos relinchavam
a epopeia dos músculos
dentro da velocidade.
A tarde descia dos céus
como um antigo acalanto.
Íamos dormir,
meninos assombrados
com os fantasmas da noite.