Hildeberto Barbosa
Hildeberto Barbosa
Hildeberto Barbosa

Antônio Mariano, o poeta

Por: | 23/09/2024

Letra Lúdica
Hildeberto Barbosa Filho
Antônio Mariano, o poeta

Acompanho a trajetória literária de Antônio Mariano há longo tempo. Escrevi sobre os poemas reunidos em O gozo insólito (1991), Te odeio com doçura (1995) e Guarda-chuvas esquecidos (2005). Li e reli Sob o amor (2013), livro monotemático em cujo lirismo despontam e se refinam os fios eróticos de sua já maturada dicção.

Vejo-me, agora, às voltas com a sua mais recente coletânea, havia pássaros em mim (João Pessoa: Selinho Editorial, 2024), obra que consagra seus 60 anos de existência e seus 40, de vida literária.

Começo por destacar, pois no exemplar que me coube estão sublinhados, depois de prazerosa leitura, os poemas “Cá na terra sempre tristes”, “Sem data” “Aniversário”, “Correnteza”, “Zerar-se”, “As armas”, “Blue”, “Um dia para Ivo”, “Com Maiakovski”, “Para Lau Siqueira”, “Para Paulo Sérgio Vieira”, “Para Abah Andrade” e “Desafio da gravidade”.

Em geral são textos curtos, de versos contidos, onde verbos e substantivos imperam no tecido retórico, avesso, por sua vez, ao excesso vocabular e à falsa eloquência com que tanto se preocupavam um Verlaine e um Valery.

Este traço estilístico, já entremostrado nos poemas dos livros anteriores, aqui, como que se aprimoram e se fundem melhor, em seu tom, ácido e cáustico, com a perspectiva lírica que canta seus motivos centrais.

Palavra e substância, forma e conteúdo, estilo e percepção se equilibram na composição poemática, traduzindo o que seria o pathos da emoção humana na objetividade expressiva da emoção estética.

A voz que se enuncia em cada poema, não importa o assunto ou o motivo, expande-se sem complacência e traz, à tona, as camadas escusas e avessas que presidem o imponderável das situações humanas.

Tudo isto calçado num olhar à distância, irônico, às vezes zombeteiro, às vezes irado, porém, sempre disposto a revelar as feridas ocultas e a desconstruir conceitos e estereótipos.

A poesia de Antônio Mariano, principalmente neste título, é mesmo um gozo insólito. A leitura existencial que desenvolve e certas descrições que faz de seus pares me parecem definir, por completo, sua metodologia poética.

Para exemplificar o primeiro tipo de leitura, cito “Desafio da gravidade”, não por acaso, o último poema do livro: “Ave sem pouso. // A queda maior que a meta: / é assim que ouso”. “Para Abah Andrade”, poema da página 96, ilustra bem a segunda espécie de leitura: “ Amar, / verbo irmão da morte. // Que má sorte a minha / continuar vivo”.

O que vemos aqui, na pauta destes dois modelos, predica o sentido de sua expressão poética. Uma expressão que, em sendo de intenso impacto afetivo, particularmente pelos conflitos subjetivos que revela, não perde a capacidade de pensar e de fazer pensar o leitor que a alcança e digere.

Por isto, sinto que havia pássaros em mim vem consolidar, em definitivo, um percurso lírico, cujos sinais, já esboçados em poemas pretéritos, alcançam, nesta fase de acabamento e maturidade, a alta voltagem necessária à realização dos genuínos produtos estéticos.

(Publicado em A União, em 22 de setembro de 2024)


FONTE: A União - via Facebook - Acesse

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