A rotação da Terra não sabe que é ano novo. Mas faz do calendário a rota da rotação do povo.
Cacá Ribeiro, compositor paraibano
Observando bem, vemos que nos habituamos a viver, entre calendários e relógios, na angústia saudosista das memórias de prazerosos fatos passados que desejáramos reviver e que não se repetirão; e na esperança de vivências de outros tantos que, infelizmente, poderão nunca advir.
Entre os que gostam de “matar o Tempo” praticando algum divertimento rilex estou entre os que, estudiosos do assunto, preferem exercitar o raciocínio em especulações filosóficas à procura de descobrir quando exatamente estamos.
Como tendo à considerar a presença real da Eternidade – para muitos, apenas esperança de crentes ressuscitados ou fruto de inócuas especulações metafísicas sobre a natureza do Tempo (sendo este, de fato, nada além de um mero conceito objetivado pela invenção dos relógios e dos calendários, que determinam suas variáveis entre as muitas geografias e culturas do planeta), costumo provocar reflexões entre historiadores deterministas ao argumentar que, na verdade, o momento é sempre o agora, um hoje sem fim onde se fundem e se confundem o que reconhecemos enquanto “o Passado”, “o Presente” e “o Futuro” à escritura da História.
Mas não quero continuar especulando sobre a natureza do Tempo e suas subdivisões à contagem e registro das histórias na Eternidade. Com este procurarei justificar minhas dificuldades de adequação às arbitrariedades historicistas, que promovem tentativas de situar todos nós num dado momento dos mal contados capítulos da história da inconclusa civilização planetária.
Para tanto, perguntarei outra vez quando, em qual tempo da História, afinal, nos situamos?
No filme A guerra do fogo (1981, França/Canadá), Jean-Jacques Arnaud , produzindo admirável estética ambientalista, utilizando-se de apurada pesquisa antropológica, conta-nos a história de pré-humanos na pré-história.
A despeito de seu argumento pretender contar as aventuras de um clã pré-histórico à procura de descobrir a técnica da produção do fogo, em muitos detalhes o filme nos mostra claramente que, mesmo na pré-história, ao contrário do que pensamos (porque tendemos a conferir certo nivelamento de costumes aos pré-históricos), as muitas tribos em evolução biossociológica espalhadas pelo planeta tinham já níveis de desenvolvimento muito diferentes. O grupo de personagens protagonistas que vaga pela Terra em A guerra do fogo, por exemplo, tem níveis inferiores de sócio biológica evolução, em comparação com o grupo da fêmea que encontram. Porque ela, apesar de ainda andar nua, é representante de uma tribo que, tendo já descoberto as propriedades combustíveis e caloríficas do fogo, e uma forma artificial de ativá-lo, inventou mágicos rituais de iniciações, definiu o “modo correto” (ou “mais civilizado”) da cópula e expressa uma forma gutural à evolução da linguagem vocálica.
Segundo a teoria da evolução de Darwin – hoje mais comprovadamente um fato científico do que propriamente uma teoria (para desgosto dos chamados “criacionistas”, que consideram a feitura do primeiro “ser humano” biologicamente completo, desde a concepção, obra de um deus determinista) – observa-se que as civilizações presentes no mundo, herdeiras de todo processo evolutivo em desenvolvimento, viveram e vivem em estágios socioculturais bastante diferentes.
Sem que precisemos citar muitas discrepâncias de desenvolvimento entre países como Japão e Etiópia, ou as abissais diferenças de valores culturais entre países orientais e ocidentais (mesmo considerando a invasão global da cultura capitalista ao redor do mundo), no interior dos Estados do Brasil, país que abriga talvez o maior contingente multicultural do mundo, podemos encontrar grupos de pessoas que ainda vivem em situações que reproduzem desde as condições de vida de habitantes pré-históricos até existência de pouquíssimos “corações futuristas”, ou os que atingiram níveis de desenvolvimento humano e tecnologias que apontam a aproximação de um desejado mais confortável futuro, ainda globalmente muito distante de se realizar.
Como se não bastassem diferenças detectadas pelos modos de vida dos muitos grupos sociais do planeta, há também significativas diferenças subjetivas, individuais, no modo de sentir e interpretar o mundo entre os mais ou menos sete bilhões de seres pensantes existentes na Terra; mesmo entre os de uma mesma família. (Como observou o psiquiatra suíço C. G. Jung , é certamente a condição de equilíbrio ou desequilíbrio individual que determinará a condição geral dos grupos sociais dos quais fazemos parte, sem que se desconsidere o fato de que também o meio os influencia). Como nos diz a sabedoria popular, “cada cabeça é um mundo”, um tempo, uma história, acrescento. Para comprovar isso, não raro encontramos numa mesma casa quem sente, pensa e age enquanto representante do futuro, enquanto outro não parece desconfortável ao defender conceitos e pré-conceitos medievais. Além disso, também é possível que tal futurista, na verdade, garimpe entre teses de seu irmão medievo subsídio conceitual à fundamentação de projetos futuristas.
Enquanto certezas não nos são dadas, e considerando persistência dos modos de temporalmente subdividir a Eternidade, é bom tornarmo-nos cônscios sobre onde temporal-culturalmente nos situamos na História. Porque, afinal, será fundamental nos determinarmos eficientes agentes de um futuro melhor, mais humanizado, do que representantes da contemporânea persistente ignorante pré-histórica selvageria.
08/03/2010
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