Archidy Picado Filho
Archidy Picado Filho
Archidy Picado Filho

Amor e sexo

Por: | 26/09/2024

 

Este não é sobre o programa antes produzido e emitido pela Rede Globo de televisão, que abordava tais assuntos pela mais impudica forma de entretenimento já desenvolvida na mídia televisiva brasileira.

Não que eu seja completamente inclinado ao pudico, mas não posso negar me causarem algum desconforto liberdades de expressão de certas formas de relacionamento sexual, graças a minha formação familiar cristã em simbiose com meu temperamento nas relações com o que acontece de mais revolucionário no mundo do erotismo.

Enquanto artista, às vezes causo estranhamento nas pessoas ao rechaçar certas ideias e ações expostas na rede social facebook, quer sejam elaboradas por mulheres, homens, homossexuais, machistas, feministas, partidários “de direita” ou “de esquerda”; crentes ou ateus, negros, brancos, pardos ou amarelos, sendo frequentemente acusado de “reacionário”, sinônimo de “conservador intolerante”. Pois, segundo pensam, artistas têm obrigação de manterem a cabeça aberta à compreensão e aceitação das novidades, sendo eles, por princípio, promotores das mudanças de perspectivas à instauração dos novos parâmetros de valorações para pretendidas melhores convivências sociais. Não apenas na produção de objetos artísticos, seja no âmbito da Literatura, das artes visuais, do Teatro, da Música ou do Erotismo, mas, principalmente, no que suas obras podem e devem provocar à mudança de consciências e comportamentos dos normalmente motivados pelo que nos torna reféns do senso-comum, cujas individualidades, sob suas influências, não parecem passar de um dos muitos tentáculos de um grande polvo que se move sempre por um mesmo caminho para um mesmo fim.

Claro que, para se manter a integridade comportamental de uma sociedade, é inevitável que assim deva ser, sem que importe se tal sociedade tenha como ideologia político-econômica o Cristianismo, Islamismo, Comunismo, o Socialismo, o Neoliberalismo ou qualquer outro desses ismos ideológicos. Em qualquer convivência grupal, onde “cada cabeça é um mundo”, se assim não for, não será possível evitar o caos.

Mas felizmente (e um tanto infelizmente) qualquer grupo é formado por indivíduos que, mais cedo ou mais tarde, dependendo de suas formações culturais, temperamentos e pretensões, começam a demonstrar seus interesses particulares, quando inevitáveis conflitos individuais – e, por tabela, sociais – começam a acontecer.

Em seu livro Música na noite & outros ensaios, o escritor e filósofo inglês Aldous Huxley escreveu que “Um exagero da importância da alma e do indivíduo, em detrimento da matéria, da sociedade, da maquinaria e da organização, parece ser um exagero na direção certa”; mas também não pôde deixar de reconhecer que “A única filosofia de vida que tem qualquer perspectiva de ser permanentemente valiosa é uma filosofia que leva em conta todos os fatos – os fatos da mente e os fatos da matéria, do instinto e do intelecto, do individualismo e da sociedade. O homem sábio evitará ambos os extremos do romantismo e escolherá a realista doutrina do meio-termo”.

Entre tantos, Huxley é um de meus mestres mais influentes. Não me lembro de ter discordado dele em nenhum momento de minhas leituras de seus textos, quer ficções ou ensaios. Mas, na atual sociedade brasileira – que se constitui numa amálgama de trogloditas e futuristas – mesmo com destemidos esforços ao rompimento de certos tabus, negros, mulheres, homossexuais, transexuais, transformistas, pansexuais e heterossexuais masculinos e femininos andam longe de promover à consciência da nação à conquista deste meio-termo harmonioso que, malgrado resistências às mudanças inevitáveis (embora, como observou Huxley, nem toda mudança traga progresso), poderia proporcionar à sociedade brasileira a convivência ideal – convivência que talvez somente possa ser vivida no idealizado Paraíso pós-apocalíptico.

Tempos atrás conversava com uma amiga sobre o que move o mundo – o “mundo” aqui considerado não sinônimo de Universo (questão racionalmente insolúvel), mas o mundo ou os mundos que desenvolvemos graças à compulsiva criatividade e sede de conquistas. E então, entre motivações propostas, oscilando entre o impulso sexual, o amor ao dinheiro e ao poder político, concluímos ser o impulso sexual maior motivador do desenvolvimento de toda cultura e tecnologia produzida, sem que tivéssemos nos esquecido de considerar a teoria de Freud sobre o desenvolvimento das artes e das ciências enquanto consequências de sublimações do impulso sexual; substitutos das impossibilidades de vivermos trepados uns nos outros, como faz certa raça de chipanzés, sem que lhes importe se copulam com seus pais, filhos, irmãos, avós ou entre os do mesmo sexo. Pois não é outra razão senão nosso desejo sexual, e oportunidades de realizá-lo, o que tem motivado esforços à produção de dinheiro e poder político, valores que dão condições para que, hoje, homens, mulheres, heterossexuais, homossexuais, transexuais, pansexuais ou transformistas possam não apenas ter companhias estáveis, mas para aproveitar oportunidades de variá-las, sem que, hoje, o amor seja necessariamente o motivador essencial dos encontros; ou que sua ausência seja causa de recusas aos atos sexuais em sua grande variedade de atuações; sem que a necessidade de procriação esteja em pauta, tendo a cultura do erotismo contribuído à invenção de assessórios que mais estimulam desejos pelo ato sexual enquanto mais prazerosa forma de entretenimento – a qual pode render muito dinheiro àquelas mulheres cujo talento é a disposição de ceder seus orifícios para quantos homens puderem penetrá-los. E mesmo dois, três ou mais ao mesmo tempo.

A regra que se quer estabelecer atualmente não é apenas a de que “quem ama, cuida” – e, portanto, quer proteger e proteger-se dos usurpadores – mas sim, precisamente porque ama, deve dar “plena liberdade” para que a pessoa que ama possa viver múltiplas situações de prazer que a dinâmica pós-moderna (ou do “agorismo”) permitir; como paradoxalmente pareceu também querer o apóstolo cristão Paulo de Tarso que, defensor da radical castidade pós-separação conjugal, ao mesmo tempo asseverava: “ama e faz o que quiseres”, o que certamente deu margem para muitos excessos e contradições. Pelo menos até que superemos de vez certos preconceituosos tabus ainda vigentes que, hoje, consideram “excessos” o que, no futuro, poderá não passar dos resultados de uma puríssima brincadeira de criança.

No que diz respeito às crianças, mesmo que Paulo de Tarso também tenha garantido que “para os puros todas as coisas são puras” – sendo consideradas “puras” as crianças – apesar de todos os avanços e conquistas à liberdade de expressão sensual e sexual (e apesar de todo precoce estímulo à exploração da sensualidade a que certas mães submetem suas filhas), nós ainda não permitimos que, entre si, em suas purezas, crianças usufruam os prazeres das primeiras superficiais relações sexuais; embora, malgrado proibições, elas sempre arranjem momento e lugar para explorar e descobrir as diferenças entre suas “vergonhas” - como classificavam primeiros colonizadores os órgãos sexuais dos nossos ancestrais indígenas. Porque, apesar da conquista do direito de praticarmos nudismo em determinadas instâncias da Terra, onde adultos e crianças se expõem uns aos outros em trajes de Adão, ainda nos influencia o conceito de que a nudez é vergonhosa, pois expõe ao desejo compulsivo os órgãos “responsáveis pelo cometimento do pecado original”. E mesmo que a razão para a vergonha da publicação de nossa nudez não seja influenciada por fundamento mítico tão maléfico, sendo apenas consequência de autocríticas sobre a ausência de um padrão estético que nos faça sentir (não) estar entre os modelos: no homem, basicamente as características de sua masculinidade: boa altura, músculos protuberantes e, entre eles, um belo pênis – além de uma gorda conta bancária[1]. Na mulher, seios rijos, coxas grossas, pernas torneadas, quadril “de violão”, bunda saliente e confortável, sem esquecer um belo rosto e uma exuberante cabeleira.

Mesmo havendo depoimentos que comprovam a ausência de violência física e traumas psicológicos em atos sensuais e sexuais entre crianças e adultos – tendo sido eu, quando criança, “vítima” de iniciações eróticas promovidas por meninas-moças – adultos dispostos às práticas sexuais com crianças (mais frequentemente os homens) são considerados não menos que perversos ou doentes mentais, estando bom número deles entre membros do clero que, além de amargarem a classificação (ou a desclassificação) de “pedófilos”, tendem à homossexualidade, graças a preferência por relacionamentos com meninos.

Quanto às freiras, um tanto ingênuo, não tenho certeza que haja alguma tarada o bastante passando o dia se bolinando em seu claustro imaginando o que havia sob os trapos que cobriam o ventre de São Sebastião. Menos ainda que tenham relacionamentos lésbicos, como creem alguns, embora isso não seja impossível, havendo relatos que as tais foram engravidadas por padres. Pois, além de as mulheres não parecerem ter o mesmo impulsivo nível de desejo sexual dos homens, todo tempo tendo estimulados seus desejos pelos artifícios da cultura do erotismo, elas parecem mais honestas em suas juras de fidelidade conjugal quando decidem serem “esposas de Jesus Cristo”.

Entre conservadores defensores de tradições que mantém a coesão da família e da propriedade, sendo esse o motivo principal à exigência da fidelidade e da monogamia (estando homens, mulheres e crianças elementos de inventários), outra razão para a repressão da liberdade de expressão sexual é que aquele (ou aquela) que a procura reprimir é geralmente desinteressante, pouco atraente, sexualmente incompetente e nutre eterna inveja e ciúme dos sedutores se tornado muitas vezes excluído e, consequentemente frustrado o bastante para que não veja outra forma de saciar o desejo sexual senão enquanto estuprador – já que cabe às mulheres o direito de escolha do companheiro e, consequentemente, da liberdade de recusa em se dar. E mesmo àquele que jura ser capaz de morrer por sua amada.

Porque não se pode fazer ninguém amar (ou desejar) o outro por decreto.

Dessa forma, mesmo com tantos avanços nas formas de relacionarmo-nos sexualmente, há ainda irresponsabilidade nos julgamentos fundamentados na inveja e pelo ciúme envolvendo as participações no universo erótico de quem curtir sexo eventual; ou pornografia, real ou virtualmente, sendo menos condenável "trepar" a esmo do que assistir filmes violentos, cujas crianças andam entre seus mais frequentes expectadores.

Mas como também argumentou Aldous Huxley, “Quem sabe não esteja tão distante assim o tempo no qual as mais detestáveis heresias, aos olhos de todas as pessoas de sã consciência, não serão heresias amorosas e sim econômicas; no qual cinquenta anos atrás das grades será o destino dos ultraendinheirados em lugar dos ultrassexuais”.

Que assim seja, embora, quando assim for, os que hoje vivem não possam mais gozar o benefício.

12/05/2017

[1] Em seu livro O Erotismo Francesco Alberoni garante não haver, para as mulheres, algo mais atraente num homem do que seu iate.


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