Por: | 23/10/2024
Letra Lúdica
Hildeberto Barbosa Filho
Pessoas, instituições
Há pessoas que são mais que pessoas. São individualidades que se multiplicam e se espalham, criando ambientes, situações, fatos e, sobretudo, agindo como instrumento de aglutinação de atores e de ideias que compõem a cena cultural.
Estas pessoas constituem elos, aproximam personagens, fermentam o campo móvel dos debates, da crítica e da criação. São, pois, figuras seminais no que concerne à dinâmica da vida cultural, não importa o contexto, nem a época, nem a tendência ideológica ou os interesses temáticos.
Restringindo-me à história da Paraíba, mais particularmente a sua capital, me vêm alguns nomes que, em que pesem as nítidas diferenças de personalidade e mesmo de atuação, revelam um traço, se não comum, ao menos parecido, consideradas as práticas e ressonâncias de sua presença na vida cultural, artística e literária.
Carlos Dias Fernandes, nos idos de 1915, para precisar uma data, é um deles. Vindo dirigir o jornal A União, a convite do então presidente da província, Castro Pinto, empreendeu ampla e radical reforma gráfica e editorial no vetusto periódico, reunindo, ainda, em torno de si, uma plêiade de escritores, jornalistas e poetas que fez um Osias Gomes, em conferência sobre o autor de Fretana, vislumbrar, naquele momento histórico, lampejos de um novo renascimento literário.
É esta presença cintilante, aguerrida, motivadora, fertilizante, talvez a obra maior do polígrafo de Mamanguape. Organizador da cultura, crítico, combativo, polêmico, estimulante, irrequieto, sempre atento a episódios e a personagens do mundo cultural e político, Carlos Dias Fernandes ultrapassa os limites de sua individualidade para se transformar numa espécie de instituição móvel e viva.
Nos anos 50 e 60, devo citar os nomes de Vanildo Brito, Geraldo Carvalho e Marcos dos Anjos. Cada um, a seu feitio e com sua personalidade catalisadora, constitui fonte e referência indispensáveis daquele período histórico efervescente, caracterizado por muitas transformações culturais e por intenso clima de debates.
Vanildo Brito, poeta e ensaísta, foi o epônimo da Geração 59, organizador e prefaciador de sua histórica antologia, editor do suplemento A União nas Letras e nas Artes, coordenador das rondas líricas, do Clube do Silêncio e do Clube de Poesia de João Pessoa. Seu nome é, portanto, a configuração de uma liderança incontestável, mentor e modelo que foi para muitos de sua geração.
O mesmo posso afirmar em relação a Geraldo Carvalho e Marcos dos Anjos. Aquele, crítico e contista, criou o grupo Caravela e fez de sua residência pessoal um permanente ponto de encontro de intelectuais, escritores e artistas. Este, por sua vez, junto com Marcos Vinicius, fundou o grupo Sanhauá, responsável pela atualização da poesia paraibana com os critérios de vanguarda da poesia brasileira ao mesmo tempo em que confrontava a tradição das formas fixas e do soneto, à moda parnasiana, ainda vigentes em solo tabajara.
Raimundo Nonato, Jomard Muniz de Brito, Wills Leal, Pedro Osmar, José Octávio, Antônio Mariano e Mirabeau Dias me parecem também exemplos notáveis destas personalidades transpessoais.
Quer na gestão cultural, quer no espaço pedagógico, quer no debate cinematográfico, quer no setor musical, quer nos seminários de história, quer no Tome Poesia ou no Clube do Conto, quer nos encontros culturais dos sábados, quer, enfim, na convivência crítica e afetiva que propuseram e propõem em meio a seus pares, a atuação de cada um migra das fronteiras da subjetividade para a esfera mais vasta do corpo coletivo. E assim, o que é pessoa transmuta-se em ideias, em possibilidades, em instituições.
(Texto publicado ontem, no jornal A Uniao)