Mirtzi Lima Ribeiro
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Mirtzi Lima Ribeiro

Um protesto público

Por: | 12/11/2024

 

Mirtzi 


Abri a torneira e senti o toque, vi a imagem e ouvi o barulho da água se derramar por entre minhas mãos, naquela pia do lavabo.


A água que escorria parecia lavar os momentos desagradáveis que presenciei ao final da tarde, enquanto me exercitava na aula de pilates. 


Do outro lado da sala, duas mulheres que creio estarem entre 35 e 40 anos, conversavam e estabeleciam juízo de valor negativo sobre uma ministra do STF, a chamaram de velha horrorosa entre outros adjetivos pejorativos e outras análises parciais em relação à mais alta corte do país. 


A cada sentença que essas jovens senhoras proferiam, eu ficava abismada com o que ouvia e me indagava: 


1) Será que elas vão querer morrer antes de completarem 60 anos para não receberem desqualificação semelhante? 

2) Ou esse apedrejamento se deu pelo fato do alvo dos ataques ser como mulher, ter alcançado um posto tão cobiçado dentro de sua carreira? 

3) Ou será que mulher madura, no entender delas deve ser xingada e taxada de “velha”, “horrorosa” e “feia” (além de outras coisas que nem mesmo devo mencionar aqui)? 

4) Ou apenas estavam repetindo feito papagaio treinado, as extravagâncias que elas acessam naqueles aplicativos de mensagens, que só divulgam mentiras e informações deformadas (Fake News)?

5) Ou elas são mulheres machistas que preferem que mulheres vivam o antigo “Sonho Americano”, da mulher exclusivamente doméstica, do lar, sem estudo, sem qualificação e sem independência econômica e financeira, sem direito a voto e sem direito a ter direitos, mera propriedade não pensante dos homens?

6) Ou elas acreditam que os Poderes constituídos devem ser substituídos por um ditador tirano e rasgar a Constituição (semelhante ao Conto da Aia)?

7) Ou elas simplesmente abdicaram da cognição, do raciocínio e lucidez, adotando as teorias conspiratórias de que todos os que ascendem em suas carreiras venderam a alma ao diabo e servem ao anti-Cristo?

8) Ou seriam elas alienadas incorrigíveis?


A psicóloga que me atende, crê que eu fico indignada assim porque enfrentei muitas dificuldades como mulher, para ser quem eu sou e chegar onde cheguei na minha carreira e vida pessoal. 


Mas, pergunto, que mulher não enfrentou dificuldades na sua carreira, no seu dia a dia, principalmente porque a estrutura em que vivemos é favorável ao homem em detrimento da mulher? E por que precisa ser assim? Por que não se dá valor a cada indivíduo, como ser humano, indistintamente? Isso não seria mais sábio? 

 

Quantas mulheres foram instruídas desde cedo a não questionar, a se achar menos que os homens, a preferi-los se sobressaindo e deixando as mulheres aquém disso?  Que as mulheres não se realizassem, que não tivessem sonhos e ideais? 


Quantas mulheres foram sacrificadas em seus ideais para que seus irmãos tivessem mais privilégios? Quantas abriram mão de receber educação e instrução idêntica e da mesma qualidade que os homens da família? 


Enquanto esse cenário obscuro ainda pairar sobre as mulheres, eu estarei indignada a cada cena desse tipo. 


Não gosto que falem mal das mulheres em geral, quer jovens, quer maduras, quer anciãs, quer acima ou abaixo do peso, quer clara ou escura na pele, quer homo ou heterossexual, trans ou o que quer que desejem ser, ou intelectual ou analfabeta, seja de que estado civil for ou como for.


Já acho que o patriarcado subjugou demais as mulheres para ainda vermos algumas de nós degradarem e desqualificarem outras semelhantes. 


Sempre serei veementemente contrária ao que rebaixa os seres femininos. Somos tão capazes como os homens, sem prescindirmos ao direito de sermos femininas. 


Fica aqui meu protesto público!


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