Sou leitor de dicionários. Tenho fascinação, em particular, pelos dicionários de literatura, sobretudo, quando se atêm a determinados autores de minha íntima eleição. Não me refiro, no entanto, a esses dicionários comuns e convencionais, embora de enorme valia, voltados, na vertente dos idiomáticos, para a fixação e esclarecimento do léxico, sua diversidade e riqueza estilísticas e suas aplicações pragmáticas, a exemplo do que faz nossa incansável Socorro Aragão, com José Américo de Almeida, José Lins do Rego e Augusto dos Anjos.
Valho-me desses sempre na minha rotina de trabalho, que não dispensa ainda o Caldas Aulete, o Antônio Houaiss e o Aurélio, além de outros que me tiram, aqui e ali, das dificuldades da amada e sinuosa língua portuguesa. Sou dos que pensam ser impossível viver sem a companhia diuturna dos dicionários. Essas obras de referência sem as quais qualquer saber capitula, qualquer pesquisa fracassa.
No momento ando compulsando o Dicionário Drummond, uma publicação do IMS, Instituto Moreira Sales (SP), organizado por Eucanaã Ferraz e Bruno Cosentino, e cujos verbetes são assinados por estudiosos e especialistas na obra e na vida do grande poeta de Itabira do Mato Dentro, tais como, entre outros, Luís Costa Lima, Mariana Quadros, Murilo Marcondes de Moura, Sérgio Alcides, Vagner Camilo, Walnice Nogueira Galvão e Wander Melo Miranda.
Típico dicionário temático, aberto, portanto, a um vasto e variado espectro de motivações, interesses, detalhes e contextos, direta ou indiretamente, relacionados com o itinerário lírico do autor de A rosa do povo. Suas páginas nos trazem lições a respeito dos meandros internos de sua poética ao mesmo tempo em que nos põem em contato frontal com os ensinamentos da teoria, da crítica e da história literárias.
Sua obra poética, sua obra ficcional, suas crônicas, seus testemunhos, seus perfis, seus diários, assim como as tensões entre literatura e jornalismo, entre política e literatura, entre literatura e cinema, entre outras categorias, servem ao espírito analítico dos colaboradores, para, em ensaios verticais e exegéticos, mais que simples verbetes meramente informativos, aproximar, cada vez mais, o leitor da genialidade do poeta.
Em nota introdutória, os organizadores afirmam, alicerçados na abertura temática que objetiva o dicionário, que os verbetes tratam de livros, poemas, gêneros e formas textuais, procedimentos estilísticos, temas, quadros históricos e culturais, aspectos constitutivos de um mondo de ver o mundo, personalidades ligadas diretamente à biografia de Drummond e nomes que, por um ou outro tipo de aproximação, deixaram marcas na escrita do autor de Boitempo.
Assim, como leitor, tenho acesso, em meio à complexidade de uma obra e de um autor dos mais significativos de nossa tradição literária, a regiões nunca dantes exploradas, quer pelo valor intrínseco das componentes semânticas, quer pelo viés metodológico utilizado.
No âmbito dos livros, por exemplo, posso rastrear estudos acerca de Alguma poesia, A rosa do povo, Claro enigma, Lição de coisa e outros mais. Se quero reler poemas, e nessa releitura, desejo me beneficiar das luzes da análise, consulto verbetes como “A flor e a náusea”, “A máquina do mundo”, “Caso do vestido” e “No meio do caminho”.
A crônica, o soneto, a correspondência aparecem no segmento gêneros e formas textuais, assim como a rima, a repetição e o neologismo constam das estratégias estilísticas. Estado Novo, modernismo, nacionalismo e socialismo integram os quadros históricos e culturais, enquanto, no campo das personalidades ligadas ao poeta, aparecem Machado de Assis, Pedro Nava, Mário de Andrade e Gustavo Capanema. Chama-me a atenção aqueles nomes que, por uma razão ou outra, ecoam no processo de criação do poeta mineiro, em especial, Machado de Assis, Greta Garbo e Carlito.
Com este dicionário se enriquece a fortuna crítica de Carlos Drummond de Andrade. Se enriquece e se refina, na medida em que, cada verbete, na sua densidade interpretativa, abre pistas seminais para o leitor que o estuda e o ama, fazendo de sua poesia e de sua prosa uma constante presença em sua vida.
Se tudo não está ali, no diâmetro elástico deste dicionário, até porque, no terreno movediço do conhecimento, nunca se pode ter acesso a tudo, estão ali, sem dúvida, elementos essenciais à compreensão mais sólida e mais profunda de seu pensamento crítico e de sua obra estética.
Não são muito comuns, na tradição cultural do Brasil, dicionários como este, isto é, dicionários temáticos. Precisamos reverter esse quadro e investir, estudiosos e instituições, em pesquisas de que possam resultar obras de referência dessa natureza. E só para ficar nos poetas, já que temos agora o Dicionário Drummond, bem que poderíamos ter o dicionário Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Augusto dos Anjos e tantos outros.
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
Todos os campos são obrigatórios - O e-mail não será exibido em seu comentário