Hildeberto Barbosa
Hildeberto Barbosa
Hildeberto Barbosa

Dicionários temáticos

Por: | 27/11/2024

Sou leitor de dicionários. Tenho fascinação, em particular, pelos dicionários de literatura, sobretudo, quando se atêm a determinados autores de minha íntima eleição. Não me refiro, no entanto, a esses dicionários comuns e convencionais, embora de enorme valia, voltados, na vertente dos idiomáticos, para a fixação e esclarecimento do léxico, sua diversidade e riqueza estilísticas e suas aplicações pragmáticas, a exemplo do que faz nossa incansável Socorro Aragão, com José Américo de Almeida, José Lins do Rego e Augusto dos Anjos.

Valho-me desses sempre na minha rotina de trabalho, que não dispensa ainda o Caldas Aulete, o Antônio Houaiss e o Aurélio, além de outros que me tiram, aqui e ali, das dificuldades da amada e sinuosa língua portuguesa. Sou dos que pensam ser impossível viver sem a companhia diuturna dos dicionários. Essas obras de referência sem as quais qualquer saber capitula, qualquer pesquisa fracassa.

No momento ando compulsando o Dicionário Drummond, uma publicação do IMS, Instituto Moreira Sales (SP), organizado por Eucanaã Ferraz e Bruno Cosentino, e cujos verbetes são assinados por estudiosos e especialistas na obra e na vida do grande poeta de Itabira do Mato Dentro, tais como, entre outros, Luís Costa Lima, Mariana Quadros, Murilo Marcondes de Moura, Sérgio Alcides, Vagner Camilo, Walnice Nogueira Galvão e Wander Melo Miranda.

Típico dicionário temático, aberto, portanto, a um vasto e variado espectro de motivações, interesses, detalhes e contextos, direta ou indiretamente, relacionados com o itinerário lírico do autor de A rosa do povo. Suas páginas nos trazem lições a respeito dos meandros internos de sua poética ao mesmo tempo em que nos põem em contato frontal com os ensinamentos da teoria, da crítica e da história literárias.

Sua obra poética, sua obra ficcional, suas crônicas, seus testemunhos, seus perfis, seus diários, assim como as tensões entre literatura e jornalismo, entre política e literatura, entre literatura e cinema, entre outras categorias, servem ao espírito analítico dos colaboradores, para, em ensaios verticais e exegéticos, mais que simples verbetes meramente informativos, aproximar, cada vez mais, o leitor da genialidade do poeta.

Em nota introdutória, os organizadores afirmam, alicerçados na abertura temática que objetiva o dicionário, que os verbetes tratam de livros, poemas, gêneros e formas textuais, procedimentos estilísticos, temas, quadros históricos e culturais, aspectos constitutivos de um mondo de ver o mundo, personalidades ligadas diretamente à biografia de Drummond e nomes que, por um ou outro tipo de aproximação, deixaram marcas na escrita do autor de Boitempo.

Assim, como leitor, tenho acesso, em meio à complexidade de uma obra e de um autor dos mais significativos de nossa tradição literária, a regiões nunca dantes exploradas, quer pelo valor intrínseco das componentes semânticas, quer pelo viés metodológico utilizado.

No âmbito dos livros, por exemplo, posso rastrear estudos acerca de Alguma poesiaA rosa do povoClaro enigmaLição de coisa e outros mais. Se quero reler poemas, e nessa releitura, desejo me beneficiar das luzes da análise, consulto verbetes como “A flor e a náusea”, “A máquina do mundo”, “Caso do vestido” e “No meio do caminho”.

A crônica, o soneto, a correspondência aparecem no segmento gêneros e formas textuais, assim como a rima, a repetição e o neologismo constam das estratégias estilísticas. Estado Novo, modernismo, nacionalismo e socialismo integram os quadros históricos e culturais, enquanto, no campo das personalidades ligadas ao poeta, aparecem Machado de Assis, Pedro Nava, Mário de Andrade e Gustavo Capanema. Chama-me a atenção aqueles nomes que, por uma razão ou outra, ecoam no processo de criação do poeta mineiro, em especial, Machado de Assis, Greta Garbo e Carlito.

Com este dicionário se enriquece a fortuna crítica de Carlos Drummond de Andrade. Se enriquece e se refina, na medida em que, cada verbete, na sua densidade interpretativa, abre pistas seminais para o leitor que o estuda e o ama, fazendo de sua poesia e de sua prosa uma constante presença em sua vida.

Se tudo não está ali, no diâmetro elástico deste dicionário, até porque, no terreno movediço do conhecimento, nunca se pode ter acesso a tudo, estão ali, sem dúvida, elementos essenciais à compreensão mais sólida e mais profunda de seu pensamento crítico e de sua obra estética.

Não são muito comuns, na tradição cultural do Brasil, dicionários como este, isto é, dicionários temáticos. Precisamos reverter esse quadro e investir, estudiosos e instituições, em pesquisas de que possam resultar obras de referência dessa natureza. E só para ficar nos poetas, já que temos agora o Dicionário Drummond, bem que poderíamos ter o dicionário Manuel Bandeira, Jorge de Lima, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Augusto dos Anjos e tantos outros.

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FONTE: MaisPB - via Facebook - Acesse

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