Hildeberto Barbosa
Hildeberto Barbosa
Hildeberto Barbosa

A Magnitude da Casa

Por: | 02/12/2024

Publicado ontem em A União

Letra Lúdica
Hildeberto Barbosa Filho
A Magnitude da Casa

Como já disse várias vezes, não sou contra a presença de escritores não literários na APL - Academia Paraibana de Letras. O “letras”, da nomenclatura, contempla, obviamente, o campo de outras áreas, na esteira do modelo francês e do seu pupilo brasileiro.

Por conseguinte, o termo, neste caso, diz respeito não somente a poetas, ficcionistas, ensaístas, enfim, escritores que tomem a palavra sempre com a preocupação de transformá-la num objeto estético. Concerne também àqueles que a usam na medida do referencial, como fazem, por exemplo, filósofos e cientistas. Aqui, podem conviver, em confortável harmonia, as funções poética, expressiva e denotativa da linguagem.

Gilberto Freyre é quem faz a diferença entre escritores literários e não literários. Lanço mão de sua tipologia para discutir o ingresso daqueles que não fazem literatura, em sentido restrito, na vetusta Casa de Coriolano de Medeiros.

Em seus domínios, sempre haverá espaço para essa espécie de gente, desde que possua obras que efetivamente a caracterize como figuras do pensamento crítico e da reflexão essencial. Obras de real valor e de qualidade teórica e técnica irrefutáveis.

Digo isto porque se sabe que existe aquele tipo de obra que depõe contra a sensibilidade e a inteligência do autor. O livro que desqualifica o autor. O livro que prejudica. O livro ruim e mal escrito.

Devo citar o artigo sétimo, caput, do Estatuto da Casa, que assim estabelece: “Associados Efetivos, tratados como Membros da Academia ou simplesmente Membros, são escolhidos, por sua contribuição singular às letras, artes ou ciências, para ocuparem, pela primeira vez, as cadeiras enumeradas no artigo quarto, e os eleitos, nos termos desse Estatuto e do Regimento, para sucederem vicariamente, nas referidas cadeiras, os Membros falecidos”.

Observe-se bem: “contribuição singular às letras, artes ou ciências”. Não se trata, portanto, de uma contribuição qualquer, porém, de algo de notabilidade reconhecida e consagrada.

Não vou referir nomes por uma questão de ética acadêmica e profissional, mas não estarei mentindo se lembrar que muitos dos livros que circulam por aí, frutos do desempenho de alguns candidatos a escritores ou mesmo de alguns acadêmicos já instalados no seu postos, quer da literatura, quer das artes, quer das ciências, pouca ou nenhuma contribuição têm dado ao acervo histórico, científico e literário das nossas letras estaduais.

Grosso modo, são volumes ou opúsculos frouxos, invertebrados, despiciendos, exemplos vivos e concretos de cabeças que não pensam e que fazem do clichê e das nulidades conceituais a sua plataforma teórica.

Alguns, mais ousados ou mais ingênuos, optam pela seara estética, cometendo seus versinhos anêmicos, suas imagens batidas, seus lugares comuns, seus eflúvios emocionais e ridículos, dentro de uma perspectiva lírica insossa, desfibrada e sem qualquer consubstancialidade no que concerne aos motivos tratados e aos sentimentos vividos. Reina, aqui, nesta terra de ninguém, a vaidade de estúpidos versejadores associada à mais descabida ignorância, curiais aos elementos fundantes do discurso poético.

Se estes, falsos saltimbancos do verso, fracassam completamente no terreno da poesia, por absoluta falta de talento e vocação, outros atentam, com hilária exuberância e douta antipatia contra o romance enquanto obra de arte, na medida em que, sem nenhum domínio técnico e nenhum brilho estilístico, se metem a narrar fatos reais ou imaginários como se fossem modelos de ficção literária.

Não raro, o assunto, o tema, a motivação têm consistência, podendo trazer resultados artísticos dos melhores, se configurados pelas mãos de um autêntico romancista. Não é o caso, porém. O que se vê, na mais das vezes, é um mero arremedo da arte narrativa, sem os ingredientes sólidos que equilibram os fatores formais e a matéria do conteúdo. Enfim, a mais descarada caricatura da expressão literária.

Pelo exposto, quero crer que os acadêmicos devemos meditar, com mais discernimento, justiça e seriedade, sobre o que postula a norma estatutária, sobretudo, por ocasião dos processos eleitorais, tentando, assim, fazer escolhas mais dignas da magnitude da Casa.


FONTE: A União - via Facebook - Acesse

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