Durante a ditadura de 1964-1985 era comum que a polícia invadisse o campus de qualquer universidade brasileira atrás de estudantes considerados “subversivos” pelo regime autoritário. Eram considerados subversivos porque lutavam para restabelecer a democracia, a liberdade, a soberania e a paz, que tinha sido retirada do país pelos golpistas a serviço do interesse imperialista norte-americano na guerra fria.
Resgato essa triste memória diante do lamentável ingresso da força policial no campus da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), num atentado direto à autonomia universitária, absurdamente praticado com a anuência da reitora, que se revelou incapacitada para estar à frente daquela instituição de ensino superior.
O campus de uma universidade é um território (que constitui seu patrimônio) que deve ser administrado e organizado exclusivamente pela comunidade universitária, formada por seus corpos discente (a maioria), docente e funcionários, devendo ser resolvidos no âmbito da instituição todos os impasses.
É terrível solicitar qualquer interferência de corpos estranhos, como o Poder Judiciário e a polícia, para solucionar os problemas da comunidade universitária. No caso da Uerj, a reitora mostrou-se incapacitada para compreender a luta dos estudantes (a quem deveria defender e em cujo lado deveria estar), que foram prejudicados pelo governo do Estado, que reduziu o orçamento para pagamento das bolsas, que conferem recursos essenciais para que muitos alunos possam continuar seus estudos.
É importante lembrar que o governador do Estado respondeu a processo de cassação de mandato por abuso de poder político e econômico, envolvendo a contratação de cabos eleitorais lotados como empregados temporários naquela Universidade.
Não existe lógica em determinar a retirada forçada dos estudantes das dependências da universidade, construída e mantida para eles, que integram o maior corpo da entidade. A decisão de reintegração de posse revelou-se autoritária e insensível, visto que os estudantes não praticaram nenhum esbulho possessório, porque (repito) estavam dentro do seu território e das dependências que foram construídas para atendê-los, mediante serviço a ser prestado por professores e funcionários. O que os estudantes estavam fazendo era uma greve justa e mediante a ocupação do seu espaço na universidade.
Na verdade, o grande turbador foi o governo do Estado do Rio de Janeiro, que invadiu a universidade para cumprir uma ordem judicial que poderia, inclusive, ter acarretado mais violência física, pois autorizou-se o emprego de uma polícia extremamente cruel, que carrega no seu histórico sucessivas chacinas contra o povo preto e pobre da periferia do Rio de Janeiro; exatamente os estudantes que tiveram suas bolsas de estudos reduzidas pelo governador.
Lembramos que a Uerj foi a primeira universidade brasileira a introduzir uma política de cotas no Brasil, muito antes desse direito ser reconhecido e garantido pelas demais universidades públicas brasileiras. Assim, muito da luta que se trava agora é também pela manutenção das cotas, pois reduzir o pagamento das bolsas devidas aos estudantes cotistas é uma forma de impedir o acesso real dos mais pobres à universidade, pois, sem os recursos necessários, enfrentarão dificuldades para continuar seus estudos e podem até abandoná-los; o que, na verdade, atende ao interesse da classe dominante do país, que tem entre seus objetivos a privatização das universidades públicas.
Portanto, foi um absurdo o que se fez no campus da Uerj, com estudantes sendo presos e levados em camburão da polícia do Rio de Janeiro. Não podemos normalizar tais acontecimentos e devemos buscar a responsabilização da reitoria, que cometeu um grave erro ao permitir a invasão do campus e com uso de força policial.
Não podemos aceitar que isso se repita, pois, caso contrário, o próximo passo dos fascistas e liberais autoritários será mandar fechar todas as universidades públicas do país. Então, é necessário que todos os estudantes brasileiros e a comunidade acadêmica se unam contra a violência perpetrada contra os alunos da Uerj, pois o recado do autoritarismo é: “amanhã pode ser você”.
Ainda sobre esse dramático episódio, outra questão lamentável foi a prisão, totalmente ilegal, do grande deputado Glauber Braga, que compareceu como parlamentar para defender os estudantes do Estado que ele representa. Sua prisão indevida exige um posicionamento imediato do presidente da Câmara dos Deputados em favor do deputado, pois o que está em jogo é a violação das imunidades parlamentares, uma garantia constitucional que protege todo o parlamento brasileiro.
Para concluir, ressaltamos que “foi violentada não só a imunidade do deputado Glauber, mas também a autonomia universitária. Na ditadura isso era comum, mas no regime democrático isso não pode ser admitido. O que vimos foi uma reitora abrindo as portas para o fascismo. Ela atentou contra todas as universidades brasileiras, criando um precedente perigoso. Precisa ser afastada e, se fosse uma pessoa correta, pediria demissão”, conforme manifestei ao jornal do Sindicato dos Engenheiros no Rio de Janeiro em 20/09/2024.
Peço licença a Caetano Veloso para lembrar que precisamos estar atentos e fortes, pois, num piscar de olhos, o fantasma autoritário que pairou sobre o Brasil durante a ditadura de 1964-1985 tentou se impor sobre todos nós, que precisamos resistir e devolvê-lo ao seu devido lugar, enterrado no passado.
AUTOR: Jorge Folena
Advogado, jurista e doutor em ciência política
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