Sombra: criança desaparecida e a imensidão do sofrimento no filme de Bruno Gascon - por Elza Campos

Sombra: criança desaparecida e a imensidão do sofrimento no filme de Bruno Gascon - por Elza Campos
16/10/2024

“Sombra”

Longa de Bruno Gascon, explora a dor de uma mãe em busca do filho desaparecido, expondo o sofrimento causado pela ineficácia da justiça e a cruel realidade do rapto infantil.

Publicado 15/10/2024 12:21

Cena do filme "Sombra" | Imagem: divulgação

O filme “Sombra” trata da dor, do luto inconcluso, das falhas imperdoáveis da polícia e da demora da justiça em resolver um caso de desaparecimento de criança em Lousada, a vila onde a família de Pedro vivia, em Portugal. Essa história, infelizmente, poderia ser estendida para o mundo todo, uma trágica realidade de violação dos direitos humanos, bem como da expressão do pior que pode ser observado em uma pessoa humana: o rapto de crianças com o objetivo de exploração e  prática da pedofilia, que aparece de forma não tão explorada, mas que impacta de forma intensa. Como bem destaca o sociólogo e autor do livro: “A pedofilia e suas narrativas”, Herbert Rodrigues, que afirma que a monstruosidade do abusador se deve justamente por agir contra os mais vulneráveis.

O diretor do filme “Sombra” Bruno Gascon, tendo como referência história real do menino Rui Pedro desaparecido em 1998, acompanha esse imenso sofrimento através de entrevista com a família, notadamente a mãe, Filomena Teixeira tão fortemente protagonizada pela atriz Ana Moreira. O angustiante drama registra cena após cena o sofrimento de Isabel, a mãe que não esquece em nenhum momento a busca pelo filho,  um menino de 11 anos que desaparece e só é descrito e apresentado pelas fotos da família. 

Na sua ausência, a esperança permanece e a insistente busca pelo filho desaparecido mesmo mais de vinte anos depois. Como registra Isabel no início do filme, “em tempos de guerra, os pais enterram os filhos. Eu não tenho ninguém para enterrar”.

A película ainda conta em seu elenco com atores como Miguel Borges, Vitor Norte e Ana Bustorff.  Desde a primeira cena na abertura do filme, a ansiedade se espraia, numa sensação de impotência diante dos fatos que vão sendo narrados, trazendo uma sensação enervante e de desesperança para toda a família, incluindo o pai que deixa também de viver sua vida para permanecer na agonia pela ausência do filho. Não é menor a luta incessante do avô de Pedro que morre sem uma resolução do caso. Mostrando uma família devastada.

Segundo a Organização das Nações Unidas, 1,2 milhão de meninos e meninas desaparecem a cada ano no mundo. No Brasil a média fica entre 40 mil e 50 mil. Os dados revelam que mais de um terço das pessoas desaparecidas seguem o mesmo padrão: crianças e adolescentes entre 0 e 17 anos de idade.

Nosso país convive com elevadas estatísticas de desaparecimento de crianças, de abuso sexual e de pedofilia. A Fundação para a Infância e Adolescência (FIA) orienta que, em caso de desaparecimento, a ocorrência seja registrada em menos de 24 horas.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), informa através do Relatório Estatístico Anual de Crianças Desaparecidas e Localizadas, que foram 2.169 crianças desaparecidas em 2022, uma média de seis casos por dia. Desse total, 55,5% foram meninos e 45,4%, meninas. No mesmo período, foram localizadas 1.237 crianças, correspondente a uma média de três por dia, sendo que 54,2% foram meninos e 45,7%, meninas. (https://acesse.one/Iaq5x).

É de se refletir acerca da escolha desse título pelo Bruno Gascon. Uma sombra se caracteriza por um vulto ou vestígio de uma forma muitas vezes não definida ou que está oculta, desconhecida ou reprimida. Ao refletir sobre esse significado, podemos inferir duas situações ou mesmo possibilidades: a ausência de Pedro ou a condição de angústia vivida por Isabel, ela se torna uma sombra de sí mesma. Carl Jung, psiquiatra e psicólogo, criador da psicologia analítica, desenvolveu conceitualmente acerca em que discorre sobre os aspectos inconscientes e retraídos da personalidade. Para ele a sombra contém os aspectos negados, reprimidos ou indesejados de uma pessoa, que podem incluir impulsos, desejos e emoções que são considerados inaceitáveis pela sociedade ou pelo próprio indivíduo. (https://l1nk.dev/mh2KI). Tanto é que Isabel, em uma das passagens da película, comenta que as pessoas consideram que ela está louca uma vez que ela, é a única que não desiste, que sofre e persegue a esperança de encontrar seu filho: “Não consigo, fazer o que as pessoas querem que faça. Que me esqueça dele.” 

Histórias parecidas podem ser encontradas em diversos locais, como o de Ivanise Esperidião que desde 1995, luta para encontrar sua filha desaparecida quando ela tinha apenas 13 anos de idade. Ela fundou o movimento “Mães da Sé”, grupo que se tornou símbolo da luta pelos desaparecidos no Brasil e que contribuiu para que mais de cinco mil pessoas desaparecidas fossem encontradas, transformando a dor da perda em um movimento de busca por justiça. Ivanise destaca que nesses longos 30 anos perdeu sua identidade, sua família, sua saúde física e mental, mas que não desiste. (https://acesse.dev/Aeknt).

Sombra”  estreou em outubro de 2021, e pode ser acessado na Prime Video. Com certeza é um filme forte, envolvente, emotivo e muito triste, de entrega de uma mãe que tem amor incondicional e que presta homenagem às famílias de crianças desaparecidas.

A atriz Ana Moreira em uma das cenas do filme
Mães da Sé

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FONTE: Vermelho (vermelho.org.br)

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