Década brutal: Revista The Economist mostra queda no processo de redução da pobreza - por Luís Antônio Paulino

Década brutal: Revista The Economist mostra queda no processo de redução da pobreza - por Luís Antônio Paulino
22/10/2024

Uma década difícil para os países pobres

O progresso dos países pobres desacelerou na última década, com choques globais e políticas climáticas favorecendo países ricos e perpetuando desigualdades

Publicado 21/10/2024 15:53

Foto: Jornal Correio do Brasil

Duas matérias da revista inglesa “The Economist” (How the world’s poor stopped catching up (21/9/2024) e The world’s poor countries have experienced a brutal decade (19/09/2024)) chamam atenção para o fato de na última década (2015-2024) o processo de redução do fosso entre países ricos e países pobres, que ocorreu entre 1995 e 2015, perdeu força. Segundo a revista, “Quase todos os progressos na luta contra a pobreza foram alcançados nos primeiros 15 anos da década de 2000.”

Segundo a revisa “em 2022, apenas um terço das pessoas deixou a pobreza extrema do que em 2013. O progresso nas doenças infecciosas, que prosperam nos países mais pobres, diminuiu drasticamente. Se a parcela de pessoas que contraem malária, em países que têm a doença, tivesse continuado a cair no mesmo ritmo de 2000 a 2012, teria havido metade dos casos que de fato houve em 2022. A mortalidade infantil no mundo em desenvolvimento despencou de 79 para 42 mortes por 1.000 nascimentos entre 2000 e 2016. No entanto, em 2022, o número caiu apenas um pouco mais, para 37. A parcela de crianças em idade escolar primária na escola em países de baixa renda congelou em 81% em 2015, tendo aumentado de 56% no ano 2000. A pobreza é coisa do passado em grande parte da Europa e do Sudeste Asiático; em parte significativa da África parece mais arraigada do que em décadas.”

Embora alguns indicadores importantes relacionados a renda, educação e saúde tenham continuado a melhorar na última década, o seu andamento arrefeceu tornando cada vez mais difícil para os países pobres superarem o fosso que os separa dos países ricos. Entre as causas apontadas para essa diminuição no processo de convergência foi a redução no ritmo de crescimento econômico. Segundo a revista, “Os 58 países mais pobres do mundo – lar de 1,4 bilhão de pessoas – cresceram 3,7% ao ano entre 2004 e 2014, contra um aumento médio anual de apenas 1,4% no clube da OCDE, em sua maioria países ricos. Desde 2015, no entanto, a riqueza de um país não teve influência em seu desenvolvimento econômico, de acordo com Paul Collier, da Universidade de Oxford.”

Os artigos chamam a atenção para o fato de que após grande parte do Leste Asiático e da Europa Oriental ter superado a barreira da pobreza, seria de se esperar que uma nova geração de países em rápido crescimento poderia ter suplantado o fosso não fosse por uma série de choques, como a pandemia de Covid-19 e os aumentos das taxas de juros que se seguiram, para reduzir a inflação, que começaram a apertar os orçamentos e arrastar o investimento. Também teria contribuído o fato de que mudança climática aumenta a pressão sobre os países pobres, assim como o aumento do número de conflitos em todo o mundo.

O artigo chama atenção para o fato de a preocupação dos países ricos ter se voltado para a questão do clima e dos migrantes e sobre menos dinheiro para ajuda humanitária para os países muito pobres. Segundo a revista, “A competição por financiamento só crescerá na medida em que as mudanças climáticas e os problemas dos refugiados do mundo rico se tornarem mais prementes. No ano passado, por exemplo, os fluxos globais de ajuda no papel aumentaram 2%. No entanto, 18% do total da ajuda bilateral foi gasto por países ricos que cuidam de refugiados em seu próprio solo – uma lacuna que poucos países aproveitaram até 2014. Outros 16% foram gastos com o clima, acima dos 2% de uma década atrás. No total, os 72 países mais pobres do mundo atraíram apenas 17% da ajuda bilateral, abaixo dos 40% de uma década atrás.”

O que os artigos deixam evidente é que a ajuda externa pouco contribui para que esses países engrenem processos sustentados de crescimento econômico. Na verdade, a melhora experimentada nos primeiros 15 anos do século 21 se deveu, em grande medida, ao ciclo de valorização das commodities minerais e agrícolas que ocorreu nesse período que não apenas impulsionou a economia desses países como um todo, como também melhorou a arrecadação de impostos, permitindo aos governos gastarem mais em programas sociais e em serviços públicos.

Ou seja, a superação da pobreza não será alcançada pela caridade dos países ricos, mas pelo esforço dos países, explorando seus próprios recursos. Nesse sentido, é importante destacar que muitas das propostas dos países ricos, agora focados na questão climática, para os países pobres, tendem a perpetuar a pobreza e atraso econômico nos países pobres. Compensar os países pobres com doações financeiras pelos chamados “serviços ambientais”, ou seja, para bloquearem a exploração de seus recursos naturais ou a realização de projetos de infraestrutura é uma saída conveniente para os países ricos que possam continuar a manter seu modelo econômico agressor do meio ambiente enquanto negam aos países pobres o direito de se desenvolver. Não se pode, evidentemente, negar a urgência da questão climática. O que deve ser questionado, contudo, é a saída proposta pelos países ricos de transferir a responsabilidade pela salvação do planeta para os países pobres enquanto eles próprios relutam em fazer qualquer coisa que altere seu modo de vida.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho

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FONTE: Vermelho (vermelho.org.br)

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