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Atualização de matéria publicada originalmente em 12 de setembro de 2015
O escritor e compositor brasileiro Antonio Cícero morreu na quarta-feira (23/10) após fazer um procedimento de suicídio assistido na Associação Dignitas, localizada na Suíça.
Ele era membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), que confirmou as informações.
Cícero buscou o procedimento porque tinha doença de Alzheimer. Ele deixou uma carta de despedida na qual explicou a decisão.
Segundo a ABL, Cícero viajou a Paris, na França, na última semana com o companheiro dele, Marcelo Pies. De lá, seguiram para Zurique, na Suíça.
Pies contou que Antonio Cícero vinha planejando há algum tempo a ida à Suíça para realizar o suicídio assistido. Ele mandou documentos e informações à clínica, mas não quis que a informação fosse divulgada.
"Passamos alguns dias em Paris para ele se despedir da cidade que tanto admirava", disse Marcelo à ABL, que compartilhou a carta de despedida do poeta e compositor com amigos próximos.
Mas quais países permitem o suicídio assistido — e de que maneira ele é feito?
Um mapeamento feito pela Associação Médica Britânica (BMA) aponta todos os países que realizam o procedimento no mundo.
Talvez o mais conhecido de todos seja justamente a Suíça.
Isso se deve em parte à famosa clínica Dignitas, que oferece este tipo de serviço e tem sido muito procurada por pacientes terminais que viajam para o país com o objetido de dar fim à vida.
O Código Criminal Suíço, em voga desde 1942, permite que indivíduos prestem assistência àqueles que realizam fazer o suicídio assistido — desde que o motivo para a realização do procedimento não seja considerado "egoísta".
Entre motivos considerados egoístas, estão evitar o pagamento de tratamentos médicos ou antecipar o recebimento de uma herança, por exemplo.
A eutanásia é considerada um crime na Suíça. O procedimento difere do suicídio assistido pois é feito sem participação ativa do paciente.
Os dois países aprovaram leis parecidas no início do século 21 que permitem aos médicos prescrever drogas letais.
Essas substâncias podem ser administradas pelos próprios profissionais da saúde ou usadas diretamente por quem deseja fazer o suicídio assistido.
Na Holanda, a chamada "Lei de Término da Vida e Suicídio Assistido", em voga desde 2001, permite a prescrição e a administração de certos medicamentos para dar fim à vida.
O país impôs, no entanto, uma série de condições: é preciso que a doença diagnosticada seja incurável e que o paciente esteja sofrendo de uma dor “insuportável”, sem perspectiva de melhora.
O paciente ainda deve fazer o pedido de auxílio para morrer estando ainda “totalmente consciente” e manter este desejo ao longo do tempo.
A parte mais controversa da norma é provavelmente a previsão da idade para a prática, permitida para pacientes a partir dos 12 anos, apesar de que aqueles com até 16 anos precisam ter a autorização dos seus responsáveis legais.
Algo parecido acontece na Bélgica, que desde 2022 tem uma lei sobre eutanásia que regulamenta essa prática.
No país, médicos podem auxiliar pacientes em sua morte desde que haja um longo histórico entre as duas partes. Ambos devem ser belgas e residir permanentemente no país.
Os pacientes devem ter uma condição médica irreversível e estar diante de um “sofrimento mental ou físico constante que não pode ser aliviado”.
Eles só podem sofrer eutanásia se tiverem manifestado desejo para tal antes de ingressar em um estado vegetativo. E o médico deve estar presente no momento da morte.
Em fevereiro de 2010, o país tornou-se o primeiro a legalizar a eutanásia também para crianças.
Luxemburgo têm leis para eutanásia e suicídio assistido desde 2009, similares às da Bélgica e baseadas no princípio de "liberdade de consciência" dos médicos.
Na Espanha, uma lei que entrou em vigor a partir de junho 2021 também regulamentou a eutanásia — e permite a prescrição e a administração de drogas com esse fim.
Já na Alemanha e na Itália, decisões judiciais divulgadas nos últimos anos garantem mais proteção aos profissionais de saúde que atuam na área do suicídio assistido.
Em fevereiro de 2020, a Corte Constitucional Federal alemã decidiu que uma lei de 2015, que transformou a promoção comercial do suicídio assistido em uma ofensa criminal, era inconstitucional.
Na sentença, os juízes alemães determinaram que deveria ser permitido aos médicos do países prescrever drogas para o suicídio assistido. Mas a questão ainda deve ser debatida no país antes de virar uma lei.
Já a Corte Constitucional italiana concluiu em 2019 que ajudar uma pessoa em "sofrimento intolerável" a cometer suicídio não é sempre um crime.
Em 2022, os membros do parlamento italiano votaram a favor de uma lei que pode permitir a "morte assistida e voluntária" para pacientes que estejam com uma doença irreversível e que cause "sofrimento físico e psicológico intolerável".
No país, a decisão sobre a legalidade do suicídio assistido cabe a cada local.
A prática é permitida em lugares como Maine, Vermont, Washington, Oregon, Califórnia, Colorado, Novo México, Havaí, Nova Jersey e Washington D.C.
No Oregon, o primeiro Estado a legalizar o suicídio assistido, a prática é permitida desde 1997. Os médicos podem prescrever coquetéis de droga em doses letais para pacientes terminais.
Segundo as regras vigentes no Oregon, os pacientes devem possuir 18 anos ou mais, ter consciência do que estão fazendo e estarem com uma expectativa de vida de menos de seis meses de vida.
Ainda é necessário fazer dois pedidos verbalmente e um por escrito, diante de uma testemunha.
O Estado de Montana não permite o suicídio assistido, mas uma decisão judicial de 2009 garantiu aos médicos uma proteção caso atuem em procedimentos do tipo.
Na Colômbia, o primeiro caso de suicídio assistido foi autorizado pelo ministério da Saúde em julho de 2015. Ovidio González, de 79 anos, sofria de câncer em estágio terminal e se tornou o primeiro paciente a se submeter ao procedimento.
A Corte Constitucional Colombiana também expediu uma decisão em 1997 que impedia punições a médicos que prestassem assistência para pacientes terminais, permitindo que eles morressem.
Já no Canadá, a Suprema Corte decidiu em 2015 que a proibição ao suicídio assistido violava o direito dos cidadãos.
Logo na sequência, em 2016, o governo canadense aprovou uma legislação sobre o tema, que foi atualizada em 2021.
Segundo a regra vigente no país, médicos podem prescrever e administrar drogas usadas para dar fim à vida de um paciente, de acordo com alguns critérios estabelecidos.
A morte assistida é legal em algumas partes da Austrália, mas a lei difere entre os Estados.
O procedimento é permitido nos Estados de Queensland, Victoria, Nova Gales do Sul, Tasmânia, Austrália Meridional e Austrália Ocidental.
Já a lei sobre o fim da vida, aprovada em 2021 na Nova Zelândia legaliza a morte assistida e permite que adultos em seus últimos meses de vida solicitem assistência de um profissional médico.
Em todo o Reino Unido, as leis impedem as pessoas de pedir ajuda médica para morrer.
A eutanásia é ilegal pela lei inglesa e é considerada homicídio culposo ou assassinato. A pena máxima para o crime é prisão perpétua.
Uma lei sobre o suicídio de 1961 também torna ilegal encorajar ou auxiliar na morte de alguém na Inglaterra e no País de Gales. Os considerados culpados podem pegar até 14 anos de prisão.
Leis semelhantes existem na Irlanda do Norte.
Na Escócia, ajudar uma pessoa a morrer pode levar a um processo por um crime como homicídio culposo.
Em março de 2024, os representantes do Comitê de Saúde e Assistência Social do parlamento britânico afirmaram que existe uma confusão sobre as regras sobre esse tema no país.
A Associação Médica Britânica aconselha que os médicos a não façam atestados para pacientes que desejam realizar suicídio assistido no exterior.
Mas há um projeto de lei em discussão, de autoria da deputada trabalhista Kim Leadbeater, que daria a pessoas com doenças terminais na Inglaterra e no País de Gales o direito de acabar com as próprias vidas.
A proposta diz que adultos com doenças terminais com seis meses ou menos de vida poderiam obter ajuda médica para realizar um suicídio assistido.
Os parlamentares do Reino Unido devem debater o projeto de lei no dia 29 de novembro.
Leadbetter disse à BBC News que "agora é a hora" de realizar um novo debate sobre a morte assistida.
"A situação atual não é particularmente segura e não há realmente a escolha que acredito que as pessoas merecem e deveriam ter", disse ela.
O primeiro-ministro Keir Starmer prometeu anteriormente dar aos parlamentares trabalhistas um voto livre sobre o assunto e apoiou pessoalmente os pedidos de mudança na lei.
Os parlamentares rejeitaram pela última vez um projeto de lei sobre o assunto em 2015.
As práticas são proibidas no Brasil. O Código Penal classifica o suicídio assistido como um crime contra a vida por meio do artigo 122, que veta o ato de "induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar auxílio para que o faça".
O crime é passível de pena de dois a seis anos de prisão quando o suicídio é consumado, ou de um a três anos caso isso não ocorra, mas resulte em lesão corporal grave.
A pena pode ser duplicada caso o ato seja praticado por "motivo egoísta” ou se a vítima for menor de idade ou tiver sua "capacidade de resistir diminuída".
A eutanásia é considerada um homicídio simples, por meio da combinação do artigo 121, que trata do ato de "matar alguém", e do artigo 29, que estende a culpabilidade e as penas aplicadas a um crime a "quem, de qualquer modo, concorre" para ele.
Desde 2006, o Conselho Federal de Medicina (CFM) autoriza por meio de uma resolução que médicos interrompam o tratamento de um doente terminal, se este for o desejo do paciente, uma prática conhecida como ortotanásia.
A medida foi suspensa em 2007 por liminar da Justiça Federal emitida a pedido do Ministério Público Federal (MPF), para o qual tal prática só poderia ser autorizada por meio de lei.
No entanto, em 2010, a liminar foi anulada pela Justiça a pedido do próprio MPF após o órgão mudar de opinião quanto ao tema.
Há diversos projetos de lei em discussão no país que buscam regulamentar a ortonásia ou deixar de considerar a eutanásia um homicídio.
O PL 236/2012, por exemplo, propõe uma série de reformas no Código Penal — e passaria a tipificar a eutanásia como um delito específico, e não mais como uma forma de homicídio.
Há algum debate sobre o que exatamente esses vários termos significam.
Em linhas gerais, a morte assistida geralmente se refere a uma pessoa que está em estado terminal e recebe um coquetel medicamentos letais de um médico. Essas drogas podem ser administradas pelo próprio paciente.
O suicídio assistido consiste em ajudar intencionalmente outra pessoa a acabar com a própria vida, incluindo alguém que não esteja em estado terminal.
Isso pode envolver o fornecimento de medicamentos letais ou ajuda para viajar a um local onde a prática é permitida.
Por fim, eutanásia é o ato de acabar deliberadamente com a vida de uma pessoa para aliviar o sofrimento. Aqui, os pacientes podem não estar em estado terminal.
A eutanásia pode ser classificada como voluntária, onde um paciente consente com o ato, e não voluntária, onde o indivíduo não pode tomar uma decisão porque está em coma, por exemplo.
*Caso seja ou conheça alguém que apresente sinais de alerta relacionados ao suicídio, ou caso você tenha perdido uma pessoa querida para o suicídio, confira alguns locais para pedir ajuda:
- O Centro de Valorização da Vida (CVV), por meio do telefone 188, oferece atendimento gratuito 24h por dia; há também a opção de conversa por chat, e-mail e busca por postos de atendimento ao redor do Brasil;
- Para jovens de 13 a 24 anos, a Unicef oferece também o chat Pode Falar;
- Em casos de emergência, outra recomendação de especialistas é ligar para os Bombeiros (telefone 193) ou para a Polícia Militar (telefone 190);
- Outra opção é ligar para o SAMU, pelo telefone 192;
- Na rede pública local, é possível buscar ajuda também nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), em Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Unidades de Pronto Atendimento (UPA) 24h;
- Confira também o Mapa da Saúde Mental, que ajuda a encontrar atendimento em saúde mental gratuito em todo o Brasil.
- Para aqueles que perderam alguém para o suicídio, a Associação Brasileira dos Sobreviventes Enlutados por Suicídio (Abrases) oferece assistência e grupos de apoio.
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