Genialidade e tragédia de Camille Claudel - por Elza Campos

Genialidade e tragédia de Camille Claudel - por Elza Campos
14/01/2025

Camille Claudel: esculpindo a paixão e a dor de viver!

A genialidade e a tragédia de Camille Claudel que desafiou o machismo, rompeu padrões e marcou a história da escultura com sua arte e sua dor.

por Elza Campos

Publicado 13/01/2025 12:46 | Editado 13/01/2025 13:47

Camille Claudel | Fotos: Bruno Nuytten, Isabelle Adjani

“Há sempre algo de ausente que me atormenta.”

O livro do Gênesis conta que homem e mulher foram feitos do barro da Terra criada pelo Deus bíblico.  E quando uma simples mortal mulher toma do mesmo barro e nele constrói obras de arte que celebram a vida junto com a dor de viver?    

Camille Claudel é uma mulher surpreendente, uma artista completa, uma das escultoras mais talentosas e com uma vida trágica, marcada por violências, negligências e obscuridade na trajetória. Tanto é que o  reconhecimento por sua originalidade ocorreu quase três décadas após sua morte.

Camille Claudel

O filme francês Camille Claudel, de 1988, é um drama biográfico baseado no livro escrito por Reine-Marie Paris, historiadora da Sorbonne e sobrinha neta de Camille, que dedicou sua vida a pesquisar, escrever e revelar vida e obra de sua tia. Há outro filme que também registra a vida da escultora, esse de 2013.  No entanto, a película protagonizada de modo intenso por Isabelle Adjani mostra uma Camille inquieta, sensível, angustiada, mas sobretudo talentosa. Tanto é que em uma das cenas do filme em um almoço em que a família Claudel recebe o mestre Rodin, a mãe faz um comentário ardiloso contra a filha artista, o que faz seu pai Louis, de forma veemente, bater na mesa e dizer que Camille não é violenta, ela é inteligente, seu talento vem da infância, e que ela parece ser passional, mas, na verdade, não abre mão de seus direitos.

Filme dirigido por Bruno Nuytten, com roteiro dele e de Marilyn Goldin, conta com a atuação irreverente de Gérard Depardieu, que interpreta o famoso escultor francês Auguste Rodin.  Camille Claudel, nome artístico de Camille Athanaïse Cécile Cerveaux Prosper, nasceu em 1864, em Fère-en-Tardenois, região do norte da França, filha mais velha de Louis-Proper Claudel e de Louise-Athenaïse Cécile Cerveaux. Seu pai, admirador e defensor da filha, proveniente de família de classe média francesa, não dificultou que Camille pudesse desenvolver sua grande aptidão para as artes,  demonstrando essa vocação desde pequena. Ela envolvia seus irmãos e as pessoas que trabalhavam em sua casa para recolher material para a lapidação de suas obras. Consta que Eugenie Pierre,  foi a primeira a ser modelo da artista. Camille Claudel fez suas primeiras esculturas aos 12 anos de idade. À época, ela se mudou com os pais para Nogent-sur-Seine. Seu pai, sempre a encorajando, apresentou-a ao escultor Alfred Boucher. O escultor, encantado com sua aptidão para a arte, também a incentivou. O pai de Camille era bancário e trabalhava com hipotecas, o que exigia mudanças de moradia, facilitando também para que Claudel pudesse desenvolver-se. Assim, a família deslocou-se para Paris quando a filha tinha 17 anos. Camille tentou matricular-se na escola mais importante de artes plásticas de Paris, a École des Beaux-Arts, mas não conseguiu, pois a Escola não aceitava mulheres.  Assim, inscreveu-se na Académie Colarossi.

A mãe de Camille era uma mulher humilde, costureira, mas somente a interessava a música que era tocada pela filha mais nova, Loise, em detrimento da arte de Camille. A subjetividade das mulheres daquele tempo era mantida no silêncio, no cuidado da casa e dos filhos e somente a clausura do casamento era o destino das mulheres, assim era o pensamento da genitora de Camille.                      

Paul Louis Charles Claudel, irmão mais novo de Camille, foi um diplomata, dramaturgo e poeta francês, romancista, membro da Academia Francesa de Letras, ganhando inclusive prêmio de literatura. Quando crianças e na juventude, Paul e Camille tiveram uma relação muito próxima, ambos se cuidavam e Paul foi um dos defensores de sua irmã mais velha. Mas, no período mais intenso de produção de Camille, ele se vinculou à religião católica, e chegou a usar inclusive a religião para atacar Camille; talvez, também, para justificar o encarceramento da irmã num hospício, nos longos anos em que ela ficou privada da liberdade, até a morte.   

Camille gravou momentos de seus modelos em pedra.  Em morta pedra ela instilou, para além do tempo de existência de qualquer pessoa, impressões, sentimentos, sensações que representavam essências do que é viver, sorrir, amar, sofrer, perder.  “A arte de perder não é nenhum mistério; tantas coisas contêm em si o acidente de perdê-las, que perder não é nada sério”, escreveu a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop.  Camille ganhou, mas perdeu muito até o fim da sua turbulenta vida.

Sua obra vigorosa, original, era subsumida pela produção dos homens ilustres com as quais ela manteve diferente relação ao longo de sua vida. Paul, seu irmão, Rodin, seu amante, mestre e companheiro de trabalho, e o músico Claude Debussy, com quem teve uma relação amiga e amorosa (Cunha, 1989). Sua intensa relação de amor com Rodin, casado e prestigiado artista na Europa, era condenada pela sociedade. Ela vivia em constante sofrimento, e sua família desaprovava fortemente tal relação, acusando-a de imoral.

Além do preconceito com as mulheres na produção das artes, o trabalho com o corpo nu, em função das ideias higienistas e positivistas do século XIX, pelo que se acreditava que as mulheres eram intelectuamente inferiores ao homem, de que não produziriam trabalhos com talento, constituíam dificuldades objetivas.  Obstaculizada pela religião e pela própria ciência, Camille tentava romper com esse ideário atrasado.  “Os artistas sempre disseram que o sucesso de uma pintura com o nu é a prova de sua competência; se eles podem fazer isso, eles podem fazer qualquer coisa; se eles não podem fazer isso, eles não podem fazer nada; a pintura do nu é o alfa e o omega, o começo e o fim da arte” (Cook, 1978, p. 226).                                                                           

Beleza e pureza foram enxergadas pelo filho de um médico, com a qual se estabeleceu uma amizade, e certa feita o pequeno perguntou à escultora: “Como você sabia que dentro da pedra havia um homem?” De verdade, intelecto e sensibilidade de Camille libertam as formas humanas do âmago das pedras, desafiando as normas sociais de sua época em suas fascinantes obras.

Camille Claudel: La Edad Madura, 1889

Camille produz obras magníficas tendo inspirado muitas produções de Rodin, como a famosa obra Porta do Inferno, inclusive o superando na difícil e complexa arte de cortar mármore. Ela, uma guerreira da arte, rebelde, buscando seus próprios caminhos para exercer o dom de esculpir, muitas vezes entrava em divergências com as opiniões de seu professor Rodin, que preferia traços suaves, em contraste com as curvas agressivas de Camille. A relação intensa de amor e de trabalho de Camille e Rodin durou quinze anos. Ele admirava e reconhecia a arte de Camille, no entanto, não rompeu com seu casamento. Ela o amava intensamente. Em uma das passagens ele assim se manifesta: “Me cobri de emoção e da pura genialidade quando a vi”; em outra: “Ensinei a ela onde encontrar ouro. Mas o ouro que ela encontrou é todo dela.” 

Ela rompe com seu professor e amante, e passa a odiá-lo. Logo surgiu uma obsessão de que seus trabalhos estavam sendo copiados e de que Rodin a estava perseguindo por toda parte. Isso começou a drenar sua energia criativa. (LEONARD, 1993).

Camille não se casou, renunciou a uma vida de padrões convencionais à época para dedicar-se a sua arte e ao amor de sua vida. Em 1913, foi forçada a um internamento no Hospital Psiquiátrico de Montdevergues, onde ficou presa por mais de 30 anos, impedida do contato com a família, com sua arte e com a sociedade. Nesse período, escreveu muitas cartas, suplicava pela saída daquele local insalubre. De lá não sairia viva. Do filme fica uma indagação sobre a real paranoia de Camille. Ela, buscando seu próprio caminho, rejeitada por sua família, abandonada por Rodin, em uma sociedade fortemente machista, contrária ao talento das mulheres, não estava sendo insensata, até porque hoje bem se sabe o ambiente de “depósito de loucos” daqueles antigos hospícios, que não recuperavam os doentes (ou não) mentais, ao contrário, aprofundavam seus eventuais transtornos.

Em alguma dobra do Universo, o espírito de Camille prossegue colhendo barro, bronze, mármore e, em imaginação, gesta sua arte impressionante.

Direção: Bruno Nuytten

Roteiro: Bruno Nuytten e Marilyn Goldin

Direção de fotografia: Pierre Lhomme

Ano de lançamento: 1988

Elenco: Isabelle Adjani, Gérard Depardieu, Madeleine Robinson, Paul Grévill, Alain Cuny.

(O filme, foi resenhado a partir de um DVD).

Camille Claudel 

Camille Claudel: La Edad Madura, 1889


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FONTE: Vermelho (vermelho.org.br)

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