A mudança para métodos de pagamento digitais nos transportes públicos de Luanda, envolvendo autocarros e comboios, marca um passo significativo na modernização do sistema. No entanto, esta transformação, embora desejável, suscita questões cruciais sobre inclusão social e sustentabilidade operacional. Uma transição para um modelo exclusivamente digital exige uma análise cuidadosa das implicações económicas e sociais, especialmente num contexto onde uma parcela significativa da população angolana enfrenta desafios no acesso a serviços bancários e tecnológicos. Como salienta Manuel Castells (2001), a inovação deve vir acompanhada de políticas públicas que assegurem os seus benefícios a todos, protegendo os mais vulneráveis.
Impacto Social e Económico para os Utentes – A substituição do pagamento em dinheiro por meios digitais constitui um progresso evidente, mas coloca desafios significativos para muitos cidadãos sem acesso a contas bancárias ou cartões de débito. Dados indicam que a inclusão financeira em Angola permanece limitada, o que pode restringir o acesso ao transporte público para uma parte considerável da população. Como destaca Amartya Sen (1999), desigualdade não é apenas uma questão de riqueza, mas também de acesso a recursos essenciais, como meios de participação na vida económica e social.
Exemplos internacionais fornecem perspectivas valiosas. Em Lisboa e Porto, o sistema de bilhética electrónica com cartões como o Viva Viagem coexiste com a possibilidade de pagamento em dinheiro em algumas linhas, promovendo inclusão. Em cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, sistemas digitais predominam, mas bilhetes em papel e pontos de recarga física continuam acessíveis, garantindo cobertura para os mais diversos perfis de utilizadores. Estas experiências mostram que modernização e inclusão não são objectivos incompatíveis.
Sustentabilidade das Operadoras e Gestão de Recursos – Para as operadoras, como a TCUL, a bilhética digital oferece vantagens importantes: maior eficiência na gestão financeira, redução de fraudes e melhor arrecadação de receitas. Contudo, esta modernização exige investimentos elevados em infra-estruturas tecnológicas, o que pode representar um desafio adicional para empresas já sobrecarregadas. Elinor Ostrom (1990) aponta que a sustentabilidade no sector público requer um equilíbrio entre inovação e a continuidade de serviços essenciais.
A criação da ENBI, entidade responsável pela centralização e modernização da bilhética, visa reduzir custos operacionais e promover transparência. Para que esta iniciativa tenha êxito, é indispensável oferecer alternativas que atendam à população sem acesso a serviços bancários, alinhando-se ao princípio defendido por Joseph Stiglitz (2002): infra-estruturas inclusivas maximizam os benefícios sociais e económicos.
Garantia de Inclusão Social – Num país como Angola, marcado por profundas desigualdades socioeconómicas, a imposição de pagamento exclusivamente digital pode agravar a exclusão de uma parte vulnerável da população. Pessoas sem acesso a cartões bancários ou com competências tecnológicas limitadas enfrentariam obstáculos significativos. Nancy Fraser (2009) enfatiza que políticas públicas devem integrar os marginalizados, assegurando-lhes condições de participação plena na sociedade.
A experiência de turistas em países com sistemas digitais avançados, como Portugal e Brasil, reforça a necessidade de alternativas flexíveis. Nestes locais, bilhetes avulsos ou cartões recarregáveis temporários são amplamente disponíveis, facilitando a utilização do transporte público para visitantes e residentes. Angola pode beneficiar-se de práticas semelhantes, evitando que ninguém seja excluído devido à transição tecnológica.