As contribuições de Walter Salles e João Moreira Salles para a cultura nacional
4 minutos de leitura07.03.2025 03:3Walter Salles fez tudo que estava ao seu alcance para trazer o Oscar para o Brasil.
Ele fez um filme em película (as filmagens tiveram três anos de preparação), chamou alguns dos melhores atores do Brasil e foi bem-sucedido em produzir uma história comovente que teve 4 milhões de espectadores e distribuição internacional.
As três indicações ao Oscar foram por si só um feito e tanto.
É preciso lembrar que o Oscar é o prêmio da indústria americana – filmes de pequeno orçamento até podem ganhar alguma coisa, mas são exceção.
O Brasil tem tradição em festivais voltados para filmes autorais – como Cannes e Veneza – mas não tem tradição no Oscar porque não tem uma indústria cinematográfica desenvolvida com filmes de alto valor de produção para o padrão americano.
Um filme de alto orçamento no Brasil – a partir de 10 milhões de reais – é um filme independente de baixíssimo orçamento nos Estados Unidos, só para se ter uma comparação.
O feito de Walter Salles foi de fato inédito e admirável – tanto o Oscar quanto as três indicações.
Nas redes sociais, muita gente mais à direita – incluindo políticos como Mario Frias e Eduardo Bolsonaro – usou o Oscar para dizer que não se sente representado pelo filme, ou para criticar o diretor, sua família, e os atores por declarações políticas.
Eles ignoram muito da atuação da família Moreira Salles, atuação que por vezes passa longe da política – ainda mais porque eles são discretos e fazem quase tudo longe dos holofotes.
Os Moreira Salles são mecenas – coisa rara hoje em dia –, doaram peças importantes para o MASP (obras de Renoir, Rafael, Picasso, Van Gogh) e outros museus brasileiros, fundaram o Instituto Moreira Salles, com sedes no Rio de Janeiro (a mais bonita delas, antiga casa da família — uma casa modernista na Gávea com jardins de Burle Marx), São Paulo e Poços de Caldas, o qual conserva boa parte do patrimônio fotográfico brasileiro.
Eles também criaram as revistas Piauí, Serrote (de ensaios), Zum (voltada para fotografia), e a Radio Batuta.
Uma crítica que eu tenho a eles é terem deixado esses espaços serem tomados pelo identitarismo, o que realmente é lamentável — o IMS chegou até a adotar a linguagem neutra nas comunicações dentro do instituto, e a revista Piauí politizou-se tanto que não dá mais para ler (virou uma espécie de Caros Amigos identitária).
Mas o importante para mim é a atuação dos irmãos João Moreira Salles e Walter Salles no cinema.
Em 1987, eles fundaram a VideoFilmes, que realizou os projetos deles e também coproduziu filmes brasileiros como Cidade de Deus, o Céu de Suely, os filmes de Eduardo Coutinho.
João viabilizou a fase final da obra de Eduardo Coutinho, que foi o grande documentarista brasileiro – é possível vê-lo em algumas das produções do mestre, no meio da equipe de produção.
Mas ele não fica pra trás, apesar de ter feito relativamente poucos filmes.
Existe um nicho no cinema documentário, que poderia ser considerado quase um subgênero, que são filmes sobre música clássica.
Vi muitos desses filmes porque gosto de música clássica, e de cinema documentário. O melhor desses filmes é Nelson Freire, de João Moreira Salles.
É um filme repleto de nuances, de uma delicadeza tremenda.
João fez outro filme extremamente relevante, Santiago, em que trata do mordomo da sua família – uma reflexão sobre a memória, em que ele teve muita coragem ao se expor.
Amir Labaki, diretor do festival É tudo verdade, fez um livro de antologias com textos sobre cinema documentário, são trinta e dois textos de documentaristas.
O melhor texto do livro é o de João Moreira Salles.
Não preciso nem falar a importância que teve o filme Central do Brasil, de Walter Salles, na representação do Brasil profundo, da religiosidade popular e das procissões católicas.
Para finalizar, os irmãos Salles têm algo que falta bastante ao cinema atual (basta ver os outros indicados ao Oscar, e até o ganhador Anora – um péssimo filme) que é o profissionalismo.
A elite brasileira não costumar ter uma boa reputação. Nesse sentido, eles são uma boa exceção.
Josias Teófilo é jornalista, cineasta e escritor
As opiniões dos colunistas não necessariamente refletem as de O Antagonista e Crusoé
Todos os campos são obrigatórios - O e-mail não será exibido em seu comentário