A realidade das mulheres no Irã – Por Ana Beatriz Prudente Alckmin

A realidade das mulheres no Irã – Por Ana Beatriz Prudente Alckmin
15/04/2025


Recentemente, fui a um evento cultural onde tive o prazer de conhecer a atriz iraniana Khazar Masoumi, que possui uma carreira muito consolidada e é uma figura hoje respeitada no cenário internacional por seu ativismo em defesa das mulheres iranianas

Créditos: Reuters/Folhapress
Escrito en OPINIÃO el 

A situação das mulheres no Irã é perturbadora. A cada notícia, ganhamos uma nova aflição. A sororidade é praticamente instantânea, porque é impossível não nos solidarizarmos com essas mulheres. É impossível não nos solidarizarmos com as mulheres iranianas.

A repressão às mulheres no Irã tem provocado reações cada vez mais intensas. Desde a morte de Mahsa Amini, em 2022 — detida por não usar o véu de maneira considerada apropriada —, cresceu significativamente o número de mulheres que desafiam as regras obrigatórias de vestimenta. Mesmo com o endurecimento das medidas, o movimento feminino continua se fortalecendo.

Em meio a esse cenário, um novo projeto do governo provocou indignação: a criação de uma “clínica de beleza social” em Teerã, com orçamento equivalente a R$ 21 milhões. A proposta, segundo representantes de uma organização ligada ao regime, seria oferecer “tratamento psicológico e científico” para mulheres que recusam o uso do hijab. A justificativa oficial é tratar o que seria um “desvio de conduta” — o que, para especialistas, é uma tentativa clara de patologizar a resistência e mascarar a repressão como cuidado.

A reação popular foi imediata. Nas redes sociais, muitos questionaram o uso dos recursos públicos enquanto o país enfrenta graves problemas estruturais. O governo tentou se desvincular da proposta, mas ainda não se sabe quem aprovou o orçamento. Ativistas, como a jornalista Aliyeh Motallebzadeh, criticaram a iniciativa como mais uma forma de controle sobre os corpos femininos, reforçando que ações como essa apenas inflamam ainda mais a luta contra o uso obrigatório do véu.

O caso da estudante Ahoo Daryaei reforça essa tensão. Após ser abordada por fiscais da moralidade por supostamente usar o véu de forma errada, ela protestou tirando a roupa no pátio da universidade. Foi presa e levada para uma clínica psiquiátrica, sob alegações de instabilidade mental. A atitude corajosa gerou empatia e apoio, mas também evidenciou os riscos enfrentados por quem se opõe abertamente ao regime. Casos como o dela mostram como o sistema trata a resistência: como loucura a ser silenciada.

Todavia, para entender melhor a situação da mulher no Irã, nada melhor do que, de fato, ouvir alguém que nasceu no Irã, viveu no Irã, construiu uma carreira no Irã e agora se posiciona contra o atual regime do Irã.

Recentemente, fui a um evento cultural onde tive o prazer de conhecer a atriz iraniana Khazar Masoumi, que possui uma carreira muito consolidada e é uma figura hoje respeitada no cenário internacional por seu ativismo em defesa das mulheres iranianas.

A atriz iraniana Khazar Masoumi (Foto: Arquivo Pessoal)

Confira abaixo trechos da conversa: 

Me conta um pouco sobre a sua decisão de escolher o Brasil. Por que vir fazer arte aqui?

Eu sou uma atriz iraniana do cinema, teatro e televisão. Minha carreira é majoritariamente no Irã, mas também, através de um projeto de teatro com um diretor iraniano, estive numa turnê europeia nos últimos anos, que foi uma produção suíça. Eu estou no Brasil não pela arte, mas por questões familiares. Moro aqui desde 2017. Foi uma escolha familiar no início, mas está sendo uma escolha de vida. Eu estou adorando estar aqui. Sempre falo que, se não for para morar inteira, eu moro em São Paulo mesmo — para sempre. E agora, há dois anos, estou reconstruindo a minha carreira de atriz no Brasil, em São Paulo. Isso porque, há dois — quase três — anos, começaram os protestos contra o véu obrigatório no Irã: Mulher, Vida, Liberdade. E eu, como personalidade pública, tomei posições públicas, e é melhor não voltar para o Irã. Então, por enquanto, estou aqui no Brasil para trabalhar.

Que legal. Você chegou a construir uma carreira lá como atriz, como comentou. E como era isso? Como era em relação à liberdade artística? Você falou sobre esse momento mais crítico dos protestos, mas e antes? Como era?

Então... Eu acho que cada levante tem uma parte fetal que a gente não vê de fora, mas que a gente sente. A gente nunca sabe quando a coisa vai explodir, mas sentimos que está chegando. Como mulher, ainda por cima nessa falta de liberdade corporal e visual, você precisa fazer o máximo possível para não ser apagada. Eu acho que essa foi a minha maior luta no Irã como atriz: como atuar quando eu não posso tocar no ator à minha frente? Como fazer quando eu tenho que dormir na cama com véu? Quando não posso ter uma cena onde eu esteja tomando banho? Como fazer e como existir com tudo isso? E hoje, que eu estou tendo essa liberdade externa no Brasil, eu estou sentindo as cicatrizes permanentes desse período em que eu só existia para não ser apagada. A liberdade não é algo que, assim que te dão, você já sabe o que fazer com ela. Demora muito para curar. E acho que este está sendo o tempo de cura para mim.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum 


FONTE: Revista Fórum (revistaforum.com.br)

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