Eternamente Pagu - por Elza Campos

Eternamente Pagu - por Elza Campos
16/07/2024

Eternamente Pagu

Casa Pagu, em Curitiba, homenageia Patricia Galvão, destacando sua militância e arte, retratada no filme “Eternamente Pagu”, que evoca a luta contra a opressão e celebra o Modernismo brasileiro

Publicado 15/07/2024 11:47 | Editado 15/07/2024 11:48

Patrícia Galvão, a Pagú (c. 1930) | Foto: reprodução/Elfikurten

“Pagu tem uns olhos moles
Uns olhos de fazer doer
Bate-coco quando passa
Coração pega a bater.
Eh Pagu eh!
Dói porque é bom fazer doer”
(Raul Bopp)

A casa Pagu, instalada em Curitiba há oito meses, em um novo local, como confidenciou Carol, uma das proprietárias do lugar, é uma homenagem à revolucionária Patricia Galvão. A rápida conversa, muito inspiradora,  fez-nos imaginar a época do conturbado e emocionante período dos anos 20-30 do século passado. Naqueles tempos interessantes (parafraseando uma expressão de Eric Hobsbawm), a  insubmissa escritora e artista Pagu produziu história, mobilizou a sociedade, questionou as estruturas sociais  retrógradas, militou no partido comunista.  E instigou-me a rever o filme, assistido há mais de 20 anos, Eternamente Pagu, dirigido competentemente pela irreverente atriz e cineasta Norma Benguell.

O filme registra momentos marcantes da história de Patrícia Galvão sem poupar críticas à elite burguesa hipócrita e conservadora de seu tempo, que poderia ser a mesma quanto à atitude dessa classe nos tempos atuais. Os ouvidos de quem assiste ao filme também são brindados com bonita trilha sonora de Roberto Gnatalli e Turíbio Santos.

A atriz Carla Camurati também atua na película, que recebeu três indicações no Festival de Gramado, de melhor filme e uma de melhor atriz para Camurati.

Cenas bastante impactantes nos dão uma dimensão das lutas históricas dos/as trabalhadores/as, como uma em que, após uma caminhada com várias pessoas portando a bandeira vermelha da foice e do e martelo, ao lado da bandeira do Brasil, o ator Antonio Pitanga pronuncia discurso contra as más condições de trabalho e a exploração capitalista, sendo atingido por um tiro, caindo nos braços de Pagu. A policia do Estado reprime a manifestação e leva Pagu presa, depois torturada. Ela resiste com bravura diante das ameaças dos ditadores. Após a soltura de Pagu, em uma reunião do Partido Comunista ela é chamada a fazer autocrítica por, em tese, ter comprometido a organização e por estar no movimento, segundo os dirigentes de forma espontânea; ao fazer uma revisão de seus atos, Pagu redige uma carta, em 26/08/1931, onde expressa  que se portou como sensacionalista. 

Uma das cenas importantes mostra o sistema de som no presídio em que Pagu estava detida em outra ocasião (ela foi presa 23 vezes) anunciava a presença do interventor federal Ademar de Barros, representante do presidente Getúlio Vargas, e a locução convocava as presas a irem  cumprimentar o preposto de Vargas. As três primeiras presas foram chamadas pelo nome e cumprimentaram o interventor. Quando chamada Patricia Rehder Galvão, ela respondeu: “me desculpe, mas não aperto a mão de carrasco e de interventor”  Esse cochichou para o diretor do presídio a “insubordinação”, resultando em aumento de sua estada no presídio por 6 meses de prisão. A frase marcante, estampada na Casa Pagu em Curitiba, acrescenta: “Esse crime sagrado de ser divergente, nós o cometeremos sempre!”

Pagu, conhecida como a “musa do Modernismo”, movimento que revolucionou a arte brasileira em seus diversos aspectos, tendo como ápice a “Semana de 1922”, ou a Semana da Arte Moderna, reunião de diversos artistas, escritores, poetas, como: Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Villa-Lobos, Geraldo Ferraz, entre outros. Patricia não participou deste evento de grande significado, pois tinha à época somente 12 anos de idade; no entanto conhece parte desse grupo, quando estava com 19 anos, movimento este que marcou e consagrou o Modernismo no Brasil.

Patrícia Rehder Galvão (1910 – 1962), nascida na cidade interiorana paulista de São João da Boa Vista, em uma família de classe média, viveu de forma intensa e militante em sua trajetória. Ela tinha acesso a muitas leituras, formando-se professora em 1928. Mesmo antes de obter o diploma de professora, aos 15 anos, trabalhou em um jornal chamado Brás Jornal assinando como Patsy. Estudou no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, tendo sido aluna do escritor Mário de Andrade. Teve a oportunidade como jornalista de viajar para os Estados Unidos, Argentina, França, União Soviética, China, Japão, Paris, sendo que nesse último local filiou-se ao Partido Comunista da França. Em uma dessas viagens de navio, entrevistou Freud.

Na agitação do então Movimento Modernista da literatura brasileira, ela se tornou amiga de Tarsila do Amaral e de Oswald de Andrade. Entre ela e Oswald surgiu forte paixão, passando a construir um relacionamento amoroso, embora tenham convivido por um período sem o revelar. Casam-se em 1930 (aliás, em um cemitério), nascendo um filho dessa relação. Em 1935 o casal se separa.   Em 1940, casou-se com Geraldo Ferraz, escritor, jornalista e crítico literário, com quem teve seu segundo filho.

Ela se filiou ao PCB em 1931, junto com Geraldo Ferraz produziam um periódico chamado “O homem do povo”, nesse noticiário, a escritora era responsável pela coluna intitulada “Mulher do Povo”, jornal que foi desbaratado pela policia, ocasionando nova prisão de Pagu.

O apelido Pagu foi uma homenagem do poeta modernista Raul Bopp, ao dedicar a ela, em 1928, o poema “Coco de Pagu”, que a atriz Carla Camurati tão bem representa na película. 

A saudosa e irreverente cantora Rita Lee criou uma música, lançada em 2000. A canção, que conta também com a produção de Zélia Duncan, é carregada de simbolismos. Procura romper com os estereótipos daquela mulher que se dobra aos padrões da sociedade capitalista, ao contrário, a canção enaltece a coragem da mulher de ser autêntica e livre. É uma música, adotada em diversos momentos da luta feminista, quase como um hino de rebeldia.

Com Eternamente Pagu (1988) a diretora Norma Bengell, já falecida, busca resgatar a luta dessa feminista, símbolo da luta das mulheres por direitos e igualdade. Sem dúvida sua trajetória, além de inspiradora, é corajosa e rebelde. Rebeldia que se apresenta como uma ferramenta fundamental para a criativa e subversiva capacidade de resistência das mulheres à opressão patriarcal e sua afirmação em defesa de liberdade. A  pelicula pode ser encontrada no YouTube.

Quem visitar Curitiba, vale a pena dar uma passada na Casa Pagú, para viver um pouco da nostalgia, se deliciar com a comida e reavivar a vontade para sempre se manter na luta.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho

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FONTE: Vermelho (vermelho.org.br)

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