Brasil, Venezuela e a demência fanática da
extrema-esquerda
por Catarina Rochamonte (O Antagonista)
No
drama atual da Venezuela, a eleição presidencial não é mais a questão central,
dado que a fraude já se consumou. O episódio de 28 de julho tornou-se pano de
fundo, importante apenas como catalisador nos discursos de mobilização das
partes em luta: de um lado, o povo lutando por liberdade e democracia; do
outro, a repressão de uma ditadura cujo objetivo é aquele de todas as tiranias:
manter-se no poder.
A repressão de Maduro
avança no prometido “banho de sangue”, assassinando dezenas de cidadãos e o
ditador inflama seus sequazes bradando que já prendeu mais de 2 mil opositores
e prenderá outros mais, enviando-os para prisões de segurança máxima (onde são
praticadas torturas).
A sacrificada luta do
povo venezuelano impõe-se como objeto de maior preocupação dos países
democráticos de todo o mundo e à consciência das pessoas que sinceramente
defendem a liberdade e os direitos humanos. Não é o caso do presidente do
Brasil, nem dos seus assessores internacionais, nem do seu partido.
Internacionalmente,
cresce a repulsa democrática, humanista e civilizatória a uma ditadura
assassina, fraudulenta, mentirosa, corrupta e bizarra que é esta do ditador
Nicolás Maduro. Inúmeros países já reconhecem Edmundo Gonzáles como o legítimo
vencedor das eleições na Venezuela. Vergonhosamente, o nosso não está entre
eles.
É bem verdade que há
certa pressão da imprensa, de políticos e da sociedade civil para que Lula não
escancare de vez sua índole autoritária e devolva o Brasil aos trilhos da
civilização, dando um passo atrás na sua diplomacia do mal. Não menos verdade,
porém, é que há uma pressão do lado oposto.
Mario Vitor Santos, por
exemplo - que já foi ombudsman da Folha e hoje é colunista e apresentador de um
site desprezível cujo nome nem convém citar -
escreveu o espantoso texto “Maduro, não entregue as atas.”
Dirigindo-se
retoricamente ao tirano da Venezuela como “presidente” que acabou de ter uma
“vitória consagradora”, o militante escreve que “alguns inimigos inexplicavelmente inclusive o Brasil, se juntaram a seus
arquinimigos para humilhá-lo e a seu povo”.
O patético texto foi
pinçado aleatoriamente como uma amostra do grau de retração intelectual ao qual
a mentalidade de certa parte da esquerda está submetida.
Mario Vitor acha que a
cumplicidade do governo Lula com a ditadura de Maduro é de pouca monta e exige
uma entrega total aos caprichos do ditador. Ele é a espécime de um tipo. Um
tipo fanático, intolerante, autoritário e liberticida.
Ao permitir a nota do PT
parabenizando Nicolás Maduro pela sua vitória, Lula estava testando a força
dessa ala mais radical e extrema; ao declarar cinicamente que o processo
eleitoral foi “teoricamente pacífico”, um processo que “não tem nada de grave,
nada de assustador”, Lula estava testando até que ponto ele pode se dar ao luxo
de tratar os brasileiros como idiotas.
Como Lula não é burro,
deve estar percebendo que não será tão fácil fazer aquilo que é obviamente a
sua maior vontade: construir uma narrativa por meio da qual Nicolás Maduro se
mantenha no poder sem que isso implique para ele (Lula) uma grande perda de
popularidade.
Diplomacia lulista não
é pragmática, é cúmplice
Aqui em O Antagonista já
mostramos que muitas vozes da esquerda se levantaram contra Maduro e sua fraude
eleitoral. Até mesmo alguns lulopetistas notórios repeliram Maduro abertamente. Tudo isso é bem-vindo porque torcemos
pelo aumento da pressão contra Maduro, venha ela de onde vier.
É preciso, porém,
perceber as nuances da forma como a crítica contra Maduro está sendo
apresentada à esquerda. Como muito bem disse o jornalista Rodolfo Borges, em
recente artigo em O Antagonista, o “governo Lula não é mediador na Venezuela, é
cúmplice.”
Isso nos parece óbvio,
mas chama atenção os vários artigos nos quais se tenta passar a ideia de que a
diplomacia do Brasil, em relação à Venezuela, estaria sendo não covarde e
hipócrita, mas prudente e pragmática.
Na análise da jornalista Eliane Cantanhêde, por
exemplo, Lula, Celso Amorim e Mauro Vieira sabem que Maduro perdeu a eleição e
conversam sobre isso a portas fechadas, mas a portas abertas “é preciso manter
a frieza e aguentar firme a pancadaria interna para buscar soluções.”
Para Cantanhêde, esses homens virtuosos “estão agindo com cautela e estratégia para
não romper pontes com Maduro”. Segundo ela, eles estariam muito preocupados em
evitar o prometido banho de sangue ou um golpe militar. Como se ambas as coisas
já não tivessem acontecido! Como se o país já não fosse há anos uma ditadura
militar e como se o banho de sangue já não estivesse em curso.
Em um artigo posterior ao
acima citado, Cantanhêde continua batendo na mesma tecla: o Brasil aliou-se a
México e Colômbia “para manter o diálogo” com a ditadura venezuelana com “o
sonho de chamar Maduro à razão”.
A colunista reconhece a
inegável fraude, a “coragem impressionante” dos oposicionistas e a loucura
autoritária de Maduro, mas insiste em colar no governo Lula uma boa intenção que claramente não existe.
A intenção do PT, de Celso Amorim e de Lula sempre foi
garantir a perpetuação do poder de Nicolás Maduro e encontrar uma narrativa que
tornasse essa ignomínia um pouco menos indigesta aos eleitores brasileiros.
A tese da jornalista de que Maduro fez “todo mundo de
bobo” não é apenas infantil, é também perniciosa porque escamoteia a verdade e
tenta manter na cara de Lula a máscara de democrata e humanista que o mundo
todo está vendo cair.
Espero que o governo brasileiro não se deixe arrastar
pelo surto de demência fanática que assolou a extrema-esquerda, saia das cordas
do acovardamento diplomático e venha a cumprir o papel que pode cumprir na
transição de poder de Maduro para a oposição vitoriosa.
Espero isso porque torço pela libertação da Venezuela e
porque acredito no instinto de sobrevivência do animal político Lula e não
porque acredito nas suas boas intenções em relação a um povo que ele mesmo
ajudou a escravizar.
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