PT e Lula não souberam aproveitar a reconquista da Presidência da República para recuperar força. Pelo contrário, retornaram à rota de declínio
8 minutos de leitura14.02.2025 03:30Parece contraditório, mas o Partido dos Trabalhadores (PT) chegou ao poder pela quinta vez depois de atravessar um longo período de declínio.
Seu candidato a presidente foi vitorioso na eleição de 2022, não pela força do partido, mas porque o desastre do governo anterior possibilitou a formação de uma ampla frente de oposição.
Certamente, mesmo em declínio, a força político-eleitoral do PT era ainda significativa; e seu candidato, Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo desgastado, não encontrava na oposição nenhum nome que com ele ombreasse em popularidade para enfrentar o então presidente Jair Messias Bolsonaro.
O PT e o presidente Lula não souberam, porém – passados já dois anos, metade do mandato –, aproveitar a reconquista da Presidência da República para recuperarem a força, simbolismo e prestígio que tiveram na aurora do partido. Pelo contrário, retornaram à rota de declínio.
Todavia, se não é provável, também não é impossível que Lula seja reeleito em 2026; isto porque, se o governo Lula-PT é ruim, a oposição não deixa de ser também uma lástima.
É tão desoladora a situação que, em lugar de um equilibrado centro-democrático, temos uma coisa chamada “centrão”, aglomerado fisiológico de parlamentares desvairados por dinheiro, o qual abocanham especialmente através de emendas secretas, semi secretas ou escandalosamente abertas.
Há 45 anos – 1980 –, o Partido dos Trabalhadores nascia como uma estrela fulgurante para a esquerda brasileira, com grande força de atração e equivalente força de propulsão.
O ambiente era propício para o surgimento de um novo partido de esquerda. A ditadura militar, ainda vigente, estava moribunda.
Na verdade, não existia mais ditadura: a ‘Anistia Ampla, Geral e Irrestrita’ de 1979, promulgada pelo presidente General Figueiredo, tornara a redemocratização irreversível e as multidões ocupavam as ruas, sem enfrentar repressão, exigindo a realização de eleição para presidente da República, com a campanha das “Diretas já”.
Se essa campanha não logrou vitória formal no Congresso Nacional, ao menos instituiu a democracia diretamente no espaço público: nas ruas, praças e botequins. Corria pelo Brasil uma verdadeira euforia democrática.
Embora tenha derrubado a emenda das eleições diretas para presidente (emenda Dante de Oliveira), o Congresso Nacional viu-se forçado a caminhar para a eleição de um presidente da República civil, tendo o Colégio Eleitoral elegido, em janeiro de 1985, Tancredo Neves (que morreu antes da data da posse, o que levou à posse do vice-presidente eleito, José Sarney.
Gestado nesse contexto de lutas contra a ditadura militar brasileira e clima de redemocratização, o PT teve como suporte principal uma forte base sindical montada a partir do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, presidido pelo operário/torneiro mecânico (licenciado por acidente) Luiz Inácio da Silva (ainda sem o famoso apelido acrescido ao nome em cartório).
A essa base vieram a se unir contingentes expressivos de diversos segmentos sociais contestatórios, com destaque para a esquerda remanescente das lutas estudantis de 1968 e guerrilheiros que sobreviveram aos “anos de chumbo”, assim como comunidades eclesiais de base da Igreja católica e o movimento estudantil, fortemente reativado por essa época.
Quando aconteceu a almejada eleição direta para presidente, em 1989, o PT já estava forte o suficiente para ir ao segundo turno.
Leonel Brizola (PDT) era tido como favorito naquela eleição, mas cresciam o nome de Lula e de um jovem político de Alagoas, até pouco tempo nacionalmente desconhecido, chamado Fernando Collor de Mello.
Collor venceu, então, a primeira eleição presidencial pós-redemocratização, mas realizou um governo tão estúpido e desastroso que não demorou a ser afastado por impeachment.
Como se sabe, a persistência petista levaria Lula a Presidência da República na eleição de 2002, quando derrotou José Serra (PSDB).
Com a entrada trepidante de Lula no cenário nacional através da enorme repercussão das greves de fábricas no ABC paulista nos anos 1970, o fato de um operário ser alçado à condição de grande liderança fascinou a intelligentsia marxista brasileira.
Ainda antes da fundação do Partido dos Trabalhadores, um enxame desses intelectuais passou a cercar o futuro presidente do PT e doutriná-lo com o extrato do pensamento de Marx, Engels e Lênin.
Pouco afeito à leitura, Luiz Inácio não teria como compreender muito bem a complicadíssima ciência do materialismo histórico e dialético, mas o componente do autoritarismo leninista (bolchevismo) foi bem assimilado.
É certo que Lula desenvolveu forte simpatia, apego e estima por ditaduras de esquerda; como são os casos notórios da ditadura de Cuba (desde os tempos de Fidel Castro) e da ditadura da Venezuela (desde os tempos de Hugo Chaves), dentre outras.
Lula não apenas nutriu simpatia por tais regimes, como também os financiou generosamente durante o exercício dos seus passados mandatos.
Fora essa paixão ideológica por ditaduras, Lula é tido e havido como um político pragmático, capaz mesmo de fazer alianças espúrias para se dar bem.
Nas pesquisas que andei fazendo para reconstituir o histórico do PT, conversei com alguns militantes dos primórdios do partido, que participaram ativamente da sua fundação em algumas cidades do Nordeste e que tiveram cargos de direção em alguns diretórios estaduais e municipais.
Explicaram-me eles que, naqueles tempos, havia democracia interna; a democracia partidária era a tônica.
Lula era, naturalmente, uma liderança respeitada, mas muito longe de ser o autocrata que, segundo alguns ex-petistas com quem conversei, passou a submeter o partido ao seu inteiro talante.
Como se diz e é comum em outros partidos brasileiros: hoje o PT tem dono.
Um dos motivos pelo qual o governo Lula vai mal é esse: ele não conta com um partido no qual possa pensar coletivamente, discutir, aprimorar projetos e ideias ou encontrar quem salutarmente o questione. A única instância de discussão de Lula parece ser ele mesmo; e agora Janja.
Nos primeiro e segundo mandatos de Lula, o governo petista atolou-se em corrupção. Nos dois mandatos de Dilma Rousseff, o governo petista atolou-se mesmo na incompetência.
O desastre do segundo mandato de Dilma levou ao seu impeachment. E é preciso frisar bem: foi um legítimo processo de impeachment que afastou a presidente Dilma, não foi um “golpe”, como apregoa a narrativa dos inconformados petistas; do mesmo modo que não foi golpe o impeachment de Collor de Mello.
A corrupção desencadeada nos primeiros governos de Lula geraram processos que o levaram à cadeia após julgamentos referendados pelo Supremo Tribunal Federal (STF); o mesmo Supremo que viria a libertá-lo, mudando suas interpretações e permitindo sua candidatura em nova eleição.
Sem entrar na análise dessas decisões erráticas do STF, fato é que somente um líder com grande carisma e popularidade poderia voltar ao poder, pelo voto, após tamanhos descaminhos.
Todavia, parece-me que Lula e seu partido vão chegando ao fim da linha. Lula, pelos descaminhos políticos e também pela idade. E o PT porque, ao deixar-se submeter à autocracia de Lula e insistir nas ideias autoritárias de uma esquerda que fede a mofo, tende a morrer com ele.
Lula, hoje, enquanto lida com o seu próprio partido com menosprezo e rigor de autocrata, submete-se, no Congresso Nacional, às artimanhas e chantagens do Centrão.
Os lulistas mais devotos tentam justificar essa pusilanimidade do presidente da República diante dos abusos da ala parlamentar fisiológica com a desculpa de que, sem isso, a governabilidade perece.
Creio que o PT de outrora, de antes do primeiro mandato corrompido de Lula, teria ocupado as ruas para sustentar seu programa de esquerda, em vez de ceder às chantagens dos congressistas oportunistas de plantão.
De um modo geral, a forma mais destacada da política brasileira, nos últimos anos, tem sido a lacração na internet. E esse é mais um motivo do declínio de Lula e do PT: ambos são analógicos.
Na verdade, a esquerda brasileira é, em sua maioria, velha, analógica e melancólica. Penso que, nessa condição, estão alguns dos esquerdistas mais respeitáveis (nessa categoria de respeitáveis não incluo Lula, que é só velho e analógico; penso aqui em outras personalidades).
Simpatizo um pouco com a velha esquerda romântica, desiludida e nostálgica, que lutou contra a ditadura, mas antipatizo profundamente com a nova esquerda que hoje faz barulho nas redes sociais.
A nova esquerda é essa turma woke, identitária, extremista, fanática, meio demente, nutrida por uma estúpida ideologia anti-ocidental.
Enfim, entendo que o PT acabou e que o lulopetismo é uma política em fase de extinção. O que não me entristece. Entristece-me, porém, não ver algo de animador no horizonte. Até o momento, não consigo ver luz no fim do túnel; nem à esquerda, nem à direita.
Todos os campos são obrigatórios - O e-mail não será exibido em seu comentário