Avenida Liberdade: Uma Rodovia na Contramão do Planeta
Por Angelo Madson Tupinambá, na COP28, Dubai.
Na COP28, em Dubai, o Governador do Pará defendeu a "Floresta Em Pé" como prioridade nas discussões climáticas. Em sua participação no painel “Transição econômica para a Amazônia”, realizado no pavilhão do Consórcio dos Governadores da Amazônia-Legal, Helder afirmou que: “A COP tem o objetivo de deixar um legado de infraestrutura para Belém e para a região metropolitana, mas, além disso, também tem um legado que é o mais importante de todos: o ambiental, que não será apenas para o Estado do Pará, mas para toda a Amazônia. Toda a agenda que temos, tem também a obrigação de inserir o legado floresta”.
No entanto, distante da atenção e do olhar de observadores internacionais, Helder Zahluth Barbalho, criador de boi e representante da oligarquia agrária regional que mais desmata a Amazônia, planeja construir um outro legado florestal, sob o alicerce da destruição, do desmatamento e da violação de direitos socioambientais. Hidrovia Tapajós Teles Pires, Derrocada do Pedral do Lourenço, Ferrovia Ferrogrão, Ferrovia Norte Sul, Refinaria North Star, Refinaria Belo Sun e até a exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas são grandes projetos econômicos que geram crises de ansiedade generalizada nos ambientalistas, mas aqui nos referimos a outro legado.
Na Amazônia, na cidade de Belém do Pará existe um lugar que é a morada de encantaria e protegido secularmente pela força ancestral, que nos trouxeram até aqui. Este lugar é uma região nativa, conhecida como antigo Engenho Murucutu, originalmente ocupado pela nação indígena Tupinambá no contexto de Levante de 1617. Localizado à margem direita do rio Guamá, guarda em si mananciais de água doce que abastecem a cidade, santuários à fauna e flora, sítios arqueológicos desconhecidos e que resiste em silêncio à constante ameaça de ocupação deletéria pelo interesse Colono Capitalista.
Ao mesmo tempo em que fala ao mundo sobre preservação e Floresta em Pé, o Governador do Pará caminha em direção oposta! Enquanto discursa aos líderes mundiais sobre a floresta e sua preservação, uma pavorosa ameaça ronda o futuro e o legado florestal do Território Ancestral Murucutu. Uma ameaça em rota de colisão aos interesses ambientais e que se aproxima velozmente nos rumores de um plano de abertura e construção de uma rodovia expressa, bizarra estrada de rodagem que pretende rasgar o remanescente ambiental, romper o Cinturão Institucional que protege a floresta e, finalmente, abrir caminho para entrega gradual do patrimônio ambiental à exploração de seus recursos, violação de direitos e perda de identidade sociocultural das comunidades tradicionais... reduzindo 406 anos de ocupação do território, às “Ruínas do Murucutu”. O mesmo Governo que apela desesperadamente para se apresentar ao mundo como protetor da natureza (com a realização da Conferência Mundial do Clima em Belém) é o mesmo que mostra suas garras de desenvolvimento e dentes afiados no progresso para entrega da floresta à sanha de sua alcateia corporativista, aparelhada no agronegócio e no lucro a qualquer custo.
O projeto ironicamente intitulado “Eco Rodovia Liberdade” consiste na implantação de uma rodovia expressa de mão dupla, com duas faixas e acostamento nos dois sentidos, totalizando 14,5km de extensão, com trecho inicial na Avenida Perimetral, indo a Rodovia da Alça Viária, no município de Marituba. Com a proposta de rasgar ao meio a Área de proteção Ambiental Metropolitana de Belém, criada por Decreto Estadual em 1993, para proteção dos mananciais Água Preta e Bolonha que abastecem a cidade e o Parque do Utinga, ponto turístico de conservação de espécies animais e vegetais.
O governo defende que a Rodovia Liberdade tem o único objetivo de diminuir o número de acidentes e o fluxo de veículos da BR-316, como alternativa de entrada e saída da Região Metropolitana de Belém. No entanto, são argumentos que não justificam o impacto ambiental, são apenas subterfúgios do discurso de Estado, a serviço do empresariado oligárquico para fragmentar e aniquilar a Área de Proteção Ambiental para o avanço de um outro modelo de uso da terra e de seus recursos.
A Rodovia Liberdade vai impactar diretamente todo complexo ecossistema da vida animal, vegetação, solo e clima. O projeto é rota de entrada para especulação imobiliária, loteamentos, apropriações indébitas, derrubada da cobertura verde primárias em áreas contínuas, aterramento de igarapés, de áreas de várzeas e terrenos de igapó. Vai trazer perturbação sonora, afugentamento e atropelamento de animais. Serão cerca de 24mil veículos por dia, avançando no território onde vivem espécies de aves ameaçadas como ararajubas, além de diversa fauna de cobras, bicho preguiça, macaco da noite, macaco jurupixuna boca preta, jaguatiricas, caititus, quatipurus, cutias, tatus e capivaras.
A Rodovia Liberdade ameaça as comunidades tradicionais que vivem no ambiente fluvial banhado pelos afluentes da margem direita do Rio Guamá, assim como os furos e igarapés Catu, Aurá, Aurá-mirim, Assacuaçu, Uriboca e Uriboquinha, responsáveis pela formação da bacia do Murucutu e dos mananciais Água Preta e Bolonha. A estúpida ação humana irá atingir até os mananciais, que abastecem com água à toda a cidade de Belém!
Liberdade, pra quem? Liberdade, pra quê? Se este projeto nada mais é do que uma Rodovia na Contramão do Planeta! Enquanto Helder Barbalho fala na COP28 de Floresta em Pé, o projeto avança nos gabinetes brancos sem considerar as mais de 345 espécies arbóreas, que embora modificações antrópicas ocorridas no decorrer do processo de ocupação, ainda mantém vasta formação vegetal.
A construção de uma rodovia expressa, sem redutores de limites de velocidade, invadindo com avanço insano do caos urbano não é argumento para preservação da vida. O Murucutu não merece se transformar numa segunda Avenida Perimetral, nem virar ocupação de acostamento tipo Rodovia Alça Viária! O projeto da Rodovia Liberdade, viola desde o seu planejamento, o direito assegurado pelo artigo 6º da Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais: “consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afeta-los diretamente”. Enquanto o mundo discute os efeitos das mudanças climáticas em grandes metrópoles, o herdeiro político do assassino de Quintino Lira segue na contramão do planeta.
Além das riquezas naturais o Território Murucutu também é Patrimônio Histórico e Cultural de Formação Social e Econômica do Povo Paraense, legado ancestral do Povo Tupinambá e Memória Histórica da Revolução Cabana, aqui existem sítios arqueológicos que podem ser perder eternamente pela ambição de quem ocupa espaço a pouco tempo sobre a terra. Aqui se fez refúgio e resistência n Levante Tupinambá de 1617, foi o acampamento militar das forças da Cabanagem (1835), por onde andou Francisco Curió (1950) antes de morar na encantaria de suas matas!
Alertamos ao Mundo (presente na Conferência do Clima), aos povos da Amazônia e em especial aos que vivem em contexto urbano na cidade de Belém do Pará, para que ouçam este chamado. A nossa luta de retomada de identidade e território está associada à parte de um esforço maior, com unidade de ação junto à comunidade na partilha dos princípios e laços históricos, culturais e de organização sócio-política. Só há um rumo para preservação da vida e defesa dos remanescentes da formação florestal e não virá no trajeto da Rodovia Liberdade. Acreditamos que a mudança se constrói coletivamente nos atos limites, como caminho ao sonho possível. Pois, não há mudança sem sonho, como não há sonho sem esperança. Somos matas, igarapé, várzea e igapó! Luta contemporânea, alicerçada em séculos de memória e identidade cultural. Ancestralidade e contemporaneidade existindo no tempo presente para reafirmar a luta indígena e ribeirinha no espaço urbano de Belém. É grito de resistência ecoando para romper o silenciamento secular dos povos!
*Angelo Madson Tupinambá é coordenador do Instituto Idade Mídia (Comunicação para Cidadania) e da Rádio Ribeirinha Murukutu. É um dos representantes de as Comunidades Ribeirinhas no Fórum Municipal de Mudanças Climáticas de Belém. Desenvolve nas comunidades locais os Laboratórios de Comunicação Popular sobre Mudanças Climáticas, Território e Segurança Alimentar e também coordena a Campanha Vozes do Murukutu pela criação do Protocolo de Consulta Prévia Livre e Informada nas Comunidades Ribeirinhas no contexto da Área de Proteção Ambiental Metropolitana de Belém. Ele está nos Emirados Árabes para cobrir a Cop28.
Sejamos todos Quintino Lira, o último verdadeiro Cabano! Que seja nossa insígnia "vencer ou morrer!"
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