VEREDAS OUTRAS
João Batista de Brito
Xavier estava animado com a notícia. A importante revista Letras Nacionais abrira inscrição para o Prêmio Guimarães Rosa e já estava recebendo monografias sobre o autor mineiro. Segundo o estatuto do concurso, os três melhores trabalhos seriam publicados por conceituada editora brasileira.
Professor de língua e literatura no Colégio Estadual, Xavier sonhava com uma oportunidade dessas. Por coincidência, Guimarães Rosa era o seu romancista preferido, e, melhor ainda, Xavier tinha, na gaveta, um esboço de ensaio sobre “Grande sertão: veredas”. Estava com a faca e o queijo. Era só cortar... e comer.
A animação diminuiu um pouco quando Xavier abriu a gaveta e viu que, abandonado havia um bom tempo, o ensaio estava inconcluso, redigido pela metade. Releu e constatou, desesperado, que nele havia mil coisas a fazer, e ele, ocupado como era, tinha que repensar e reelaborar tudo, para entregar dentro do prazo. Ufa, as teclas de sua velha Remington o aguardavam...
Foi então consultar o seu exemplar do romance de Rosa, que – ele lembrava – riscara todo, uma página atrás da outra, com anotações importantes, inclusive um outline completo do ensaio que um dia ele pretendera publicar, e por alguma razão, deixara incompleto. Esse outline – lembrava muito bem – ele o escrevera nas páginas finais do livro, aquelas onde não há nada impresso. Ele sempre tivera esse mau costume de riscar livros e não tinha sido diferente com o livro de Rosa.
Procurou o livro na casa toda e não achou. Foi então que lembrou o pior. O livro, cheio dessas preciosas anotações, ele o dera a Elvira, uma ex-namorada que ele não via fazia muito tempo, e não queria ver de novo, de forma alguma.
E mais grave, ele recordava também que a moça exigira uma dedicatória amorosa. E quanto às anotações no livro, ela adorara que lá estivessem, já que, fosse o que fosse, se tratava da letra dele. Ou seja, por nada no mundo a sempre apaixonada Elvira iria devolver o livro que ganhara no tempo em que o casal vivia a melhor fase do namoro. Com certeza, desconfiada como era, nem sequer emprestar, emprestaria.
Foi aí que teve a ideia. O jeito era roubar o livro. Mas como? Bem, não poderia ser de outro modo, senão com uma visitinha a Elvira, alternativa temerosa, pois sabia que a moça poderia entender isso como um sinal de recomeço. E ele, definitivamente, não queria recomeço.
De todo jeito, telefonou e marcou para tomar um café e conversar. Ela pensou num barzinho e ficou surpresa e feliz de saber que ele preferia encontrar-se no apartamento dela, que morava sozinha.
Durante a visita, Xavier tentou desconversar quando o assunto debandava para o caso deles, e esperou pacientemente que Elvira fosse ao banheiro, ocasião em que deu uma boa espiada na estante da sala, cheia de cadernos e livros, mas não o de Rosa. Voltou para casa desanimado, e preocupado com as indiretas de Elvira no sentido de retomarem o namoro.
E, assim, teve que visitar Elvira várias outras vezes. Naturalmente, nunca falou a ela sobre o concurso. E para justificar as visitas – como não? – foi forçado a demonstrar um interesse mínimo na retomada do caso. E abraços e beijos aconteceram. A essa altura, já tinha revistado o apartamento quase todo, e nada do livro desejado.
Só faltava revistar o guarda-roupa da moça, e foi o que fez Xavier decidir que, naquela noite, dormiria lá. E dormiu. Claro que fizeram amor, que ele, estranhamente, achou muito prazeroso. De madrugada, a moça adormecida, Xavier foi ao guarda-roupa e, numa gaveta inferior, encontrou afinal o livro, bem escondido por debaixo de outras recordações dele, cartões, cartas e outros mimos. Antes de ela acordar, saiu de mansinho e foi trabalhar no seu ensaio.
Dias depois, Elvira ligou. Ele pensou que fosse sobre o livro desaparecido, mas não era. Era só um convite para mais um fim de semana juntos. Sem entender bem o que fazia, aceitou. Não só isso, como ficou para dormir. E os convites e visitas se repetiram e, para sua inquietação, dormir com Elvira era cada vez mais prazeroso.
Por fim, Xavier concluiu o ensaio, enviou, mas não foi premiado. Em compensação, casou com Elvira e foi feliz, ainda mais com a chegada do bebê, que o medico disse ser menino, mas se enganou: era uma linda menininha rosada, a quem deram o nome de Diadorina.
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